domingo, 7 de junho de 2015

Aula 16/2015 - A corrupção nossa de cada dia


No Brasil, basta um escândalo de corrupção estampar as manchetes dos jornais para que os comentaristas de plantão vociferem palavras de ordem na internet em que exigem, até, a pena de morte para os corruptores. Mas esses mesmos gritos raivosos aceitam, pacificamente, os pequenos crimes que eles próprios e muitos conhecidos praticam no dia a dia, sem nem mesmo perceber que o “jeitinho” do cotidiano também é uma forma de corrupção.



Na última semana, um cartaz colado em um muro de uma grande avenida de São Paulo perguntava aos passantes: “Habilitação suspensa?”. O anúncio, que desrespeitava a lei Cidade Limpa, legislação municipal que proíbe a colocação de cartazes em locais públicos, trazia um número de telefone e oferecia um serviço: dar um “jeitinho” nos pontos obtidos na carteira de motoristas que tiveram suas licenças para dirigir retiradas por causa do excesso de multas recebidas no trânsito.

O trabalho poderia aliviar a barra de pessoas que dirigiram acima do limite de velocidade, andaram “só por alguns minutos” na faixa exclusiva de ônibus ou que beberam além dos limites permitidos antes de assumir o volante. Tudo justificado pelos receptores da multa com argumentos como a pressa e a falta de transporte público barato e de qualidade durante as madrugadas. Muitas dessas pessoas, inclusive, podem até ter comprado a carteira de motorista, pagando uma propina para que o fiscal que realiza a prova prática ajudasse na tarefa.

O “jeitinho” brasileiro se estende para além do trânsito. Em pleno centro de São Paulo, a maior cidade do país, é possível comprar diplomas falsos que permitem a participação em concursos públicos e, mais comum ainda, atestados médicos, para justificar ausências mais prolongadas no trabalho. Também é possível, sem nem mesmo sair de casa, “roubar” o sinal da TV à cabo do vizinho, sem que ele saiba, ou comprar um aparelho decodificador de sinal pela própria internet e usá-lo para sempre sem ter que pagar mensalidade às operadoras, que, afinal, “cobram muito caro”. A prática é tão institucionalizada que tem até nome: “o gato net”.

Mas a corrupção diária pode ser ainda mais grave. A previdência social, uma das áreas mais afetadas pelo “jeitinho”, descobriu, apenas em 2013, 56 fraudes que causaram um prejuízo de 82 milhões de reais aos cofres públicos, afirma o Ministério da Previdência Social. O dinheiro estava sendo destinado para pessoas que passaram a receber benefícios depois de apresentarem documentos falsos, como atestados médicos ou comprovantes de união estável.

Há ainda casos que não são facilmente descobertos porque, tecnicamente, são difíceis de serem configurados como crime. Como o de mulheres, casadas aos olhos de vizinhos e amigos, mas que não oficializaram suas relações para não perderem a pensão vitalícia a que têm direito depois do falecimento do pai, funcionário público. Ao casarem-se oficialmente, o benefício é cortado. Há também o caso das “viúvas negras”: aquelas que, de comum acordo com os futuros “maridos”, casam-se com homens muito mais velhos, sem filhos, apenas para conseguir receber uma pensão quando esses homens morrerem.

“Não é que as pessoas não percebam que são erradas. O que elas fazem é justificar esse erro por conta de alguma coisa que diga respeito aos seus interesses e necessidades mais imediatas. A questão que envolve o problema da corrupção é essa ambivalência dos valores”, afirma Fernando Filgueiras, coordenador do centro. “Facilmente identificamos a corrupção praticada por políticos, burocratas, empresários, lobistas. Mas quando diz respeito à ordem do cotidiano, essa ambivalência surge porque sempre identificamos a corrupção no outro. Se observarmos o cotidiano, essa ambivalência sempre se faz presente, porque tentamos justificar nossos atos. Essa fronteira é sempre muito tênue. Todos somos contra a corrupção. Até os corruptos o são. O problema é quando você olha a sua ação individual”, complementa ele.

“A fraude do imposto de renda, a tentativa de subornar funcionários públicos, o favorecimento, quando possível, de familiares em negócios públicos são o que chamamos normalmente de pequena corrupção. Essa é muito difícil de ser combatida, porque é mais pulverizada e individual.”.

Para o Ministério Público, que criou uma campanha para alertar sobre essa corrupção cotidiana, o caminho é conscientizar as pessoas de que o “jeitinho brasileiro” é, sim, uma forma de corrupção.
“A gente acredita numa formação de consciência. De construção de uma nova geração. Por isso, damos palestras em escolas para mostrar o que é a prática corrupta”, conta Vinicius Menandro, promotor de Justiça do Acre e coordenador nacional da campanha “O que você tem a ver com a corrupção”.
“Gostamos muito de apontar as falhas dos deputados, senadores, mas as pessoas que compraram a carteira de motorista são tão corruptas quanto”, avalia. “Para mudar o país temos que mudar nós mesmos”.


Se desde a vinda da família Real já era comum se ouvir “quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão, quem mais furta e mais esconde passa de barão a visconde”, é preciso um enorme esforço coletivo para encontrar novos caminhos para tornar nossa sociedade menos conivente com a corrupção.  


MATERIAL DA AULA


TEXTO 1 – Entenda o escândalo de corrupção na Fifa
Sete dirigentes da Fifa foram presos na Suíça na manhã desta quarta-feira após serem acusados por suspeitas de corrupção envolvendo um montante de até US$ 150 milhões. Horas depois, autoridades suíças anunciaram que fariam sua própria investigação sobre o processo de escolha dos países-sede das Copas de 2018 (Catar) e 2022 (Rússia). A polícia suíça entrou na sede da Fifa, em Zurique, e apreendeu provas eletrônicas.
Por que isso é importante?
A Fifa é o órgão responsável pelo futebol mundial. Nos últimos anos, sofreu acusações de corrupção, particularmente no processo de escolha da sede do Mundial de 2022 - o vencedor foi o Catar. Em dezembro de 2014, a Fifa decidiu não divulgar sua própria investigação de corrupção - que, segundo a entidade, disse que o processo de escolha foi isento. O autor do relatório, o americano Michael Garcia, renunciou ao cargo. A Copa do Mundo gera bilhões de dólares em receita. As prisões e a investigação lançam dúvida sobre a transparência e honestidade do processo de escolha nos últimos torneios.
Como o Brasil aparece na investigação?
Três brasileiros estão implicados no esquema de corrupção, de acordo com o departamento de Justiça dos EUA. Um dele é o ex-presidente da CBF José Maria Marin - a nota do Departamento de Justiça não detalha as suspeitas contra ele. A CBF se manifestou a respeito da investigação por meio de nota dizendo que "aguardará, de forma responsável, sua conclusão, sem qualquer julgamento que previamente condene ou inocente."
A Justiça americana diz que José Hawilla, dono da Traffic Group, maior agência de marketing esportivo da América Latina, confessou os crimes. A Traffic é dona de direitos de transmissão, patrocínio e promoção de eventos esportivos e jogadores, além de empresas de comunicação no Brasil. Consultado pela reportagem, o advogado de J. Hawilla, José Luis de Oliveira Lima, afirmou que o dono da Traffic "apoia as investigações e prestou esclarecimentos devidos às autoridades americanas" e está em liberdade nos Estados Unidos.

TEXTO 2 – O real combate à corrupção
A ideia de que a corrupção no Brasil é causada pela presença de um ou de outro mau político e que a sua retirada do governo deixaria o país livre da corrupção constitui uma ideia completamente equivocada
O grupo de intelectuais que tem uma preocupação de longo prazo com a corrupção e seu impacto no sistema político brasileiro. Em nossas pesquisas, identificamos que a população brasileira considera a corrupção um grave problema, dos mais graves enfrentados pelo país. Mas a ideia de que a corrupção no Brasil é causada pela presença de um ou de outro mau político ou administrador no governo e que a sua retirada ou a retirada de todos eles deixaria o país livre da corrupção, constitui uma ideia completamente equivocada.
Sendo assim, a ideia de que o que o país necessita é uma “faxina”, tal como temos lido todos os dias na grande imprensa nas últimas semanas, é uma ideia completamente equivocada por dois motivos: porque é evidente que sem corrigir alguns processos na organização do estado e do sistema político, a corrupção voltará a estar presente nestes mesmos lugares; segundo porque a seletividade desta “faxina” pautada por alguns órgãos da grande imprensa irá desestruturar o governo e sua base de sustentação sem gerar um governo ou um estado menos corrupto.
A corrupção no Brasil tem duas causas fundamentais e sem identificá-las não é possível combatê-la. A primeira destas causas é o sistema de financiamento de campanhas políticas. O Brasil tem um sistema de campanha absolutamente inadequado, no qual os recursos públicos alocados aos partidos são absolutamente insuficientes.
O problema do financiamento do sistema político acaba sendo resolvido nas negociações para a sustentação do governo no Congresso. As coalizões de governo são fundamentais para assegurar a maioria do Executivo no Congresso, já que, desde a eleição de 1989, o partido do presidente não alcança mais do que 20% dos votos para o congresso.
Mas o problema é que estas coalizões se tornaram um sistema de troca no qual a indicação de políticos da base governista para cargos no executivo federal torna-se uma forma de arrecadação de recursos de campanha para os partidos. Ao mesmo tempo, as emendas de bancada, especialmente as coletivas, são frequentemente pensadas como forma de arrecadar recursos para os partidos.
Essa é uma das origens importantes dos escândalos recentes, que, diferentemente do que lemos na grande imprensa, afetam todos os partidos que fazem parte das coalizões de governo desde 1994.
Portanto, sem rever profundamente o sistema de financiamento dos partidos não é possível extinguir este processo. Ao mesmo tempo, é urgente rever o esquema de emendas parlamentares que se tornou um tremendo desperdício de recursos públicos.
TEXTO 3 – Olha quem está falando! – a corrupção nossa de cada dia
A mania de burlar regras e flexibilizar as normas é tão cristalizada em nós que com certeza será necessário mais do que um julgamento midiático para nos colocar num caminho mais honesto. Não que sejamos todos um bando de ladrões, mas quanto mais banal a infração, quanto menor o ganho que um jeitinho nos traz, mais nos convencemos que essa pequena corrupção do dia-a-dia não tem nada de mais, o que dificulta seu combate efetivo. É o mecanismo clássico chamado dissonância cognitiva.
Essa estratégia mental, em grande parte inconsciente, entra em ação quando nossas opiniões não condizem com nossos atos, quando nossas crenças não batem com a realidade, quando existe, enfim, um descompasso em nossa mente. Isso faz surgir um desconforto que nos leva a mudar de opinião, de crença ou de atitude, ajustando-as aos fatos e reduzindo o mal-estar.
Penso que esse mesmo efeito nos atrapalha na hora de reconhecer, admitir e por fim combater a corrupção generalizada. Quando se pagam cem reais para um policial não aplicar uma multa de quinhentos, quando se compram notas fiscais para sonegar oitocentos, mil reais de impostos, quando o serviço sem nota tem 10% de desconto quer-se crer que não se está fazendo nada de mais, já que os valores são tão baixos perto dos milhões roubados no país. Mas acho que no fundo isso são só argumentos para reduzir o desconforto de se vender por pouco. Sem se convencer de que isso são bobagens teríamos que admitir que, muitas vezes, a diferença para José Dirceu, Marcos Valério ou João Paulo Cunha é apenas uma questão de preço.
TEXTO 4 – Charges
  
               
TEXTO 5 – Corrupção ativa e corrupção passiva
Corrupção é um crime bem interessante pois ele pode existir em três ‘sabores’: corrupção ativa, corrupção passiva, e corrupção ativa e passiva.
A corrupção passiva ocorre quando o agente público pede uma propina ou qualquer outra coisa para fazer ou deixar de fazer algo. Por exemplo, o juiz que pede um ‘cafezinho’ para julgar um processo mais rapidamente ou o senador que pede uma ajuda para a campanha em troca de seu voto. Não importa que a outra parte dê o que é pedido pelo corrupto: o corrupto comete o crime a partir do momento que pede a coisa ou vantagem. A outra parte, inclusive, pode/deve chamar a polícia para prender o criminoso.
Já a corrupção ativa ocorre quando alguém oferece alguma coisa (normalmente, mas não necessariamente, dinheiro ou um bem) para que um agente público faça ou deixe de fazer algo que não deveria. Por exemplo, o motorista que, parado por excesso de velocidade, oferece uma ‘ajuda para o leitinho das crianças’ ao policial. Reparem que, nesse caso, o criminoso é quem oferece a propina e não o agente público – que provavelmente irá prender o criminoso. Para que o crime esteja configurado, não importa que o agente aceite a propina: o crime se consuma no momento em que o motorista tenta corromper o policial, ou seja, no momento em que ele ofereceu a propina.
Mas é possível também que ambas as partes cometam o crime. Se o motorista oferece e o policial aceita, ambos cometeram crimes. O policial cometeu o crime de corrupção passiva, e o motorista de corrupção ativa. Mas reparem que os crimes foram cometidos em momentos distintos: o motorista cometeu a corrupção ativa quando ofereceu, mas o policial só cometeu a corrupção passiva quando aceitou. Se não tivesse aceito, não teria cometido o crime.

TEXTO 6 – A CORRUPÇÃO ESCOLAR
É curioso trazer esse tema, ainda mais ligado às escolas já que, na verdade, parecem existir para formar cidadãos de bem. Nós sabemos o que é ser educador atualmente no Brasil: preparar-se durante anos numa faculdade, para ser reconhecido no mercado educacional.
O que a corrupção tem a ver com a escola? O pior é que tem tudo a ver. A corrupção evoca as artimanhas, manipulação dolosas, fraude, engano, roubo, suborno, tráfico de influência, coação, mentira, evasão, desvio de recursos, abuso de poder, falta de ética e de moral. Embora sendo um mal generalizado em nossos dias, a corrupção tem uma longa trajetória no mundo. Entretanto, é um tema de adultos, a corrupção não é uma prática improvisada só na vida adulta, mas uma aptidão que se cultiva sistematicamente desde a infância. O aparelho escolar, sutil e aberto, cotidiano e imperceptivelmente, compactua com a cumplicidade de autoridades, educadores e pais de família que promovem entre as crianças valores e comportamentos que fazem o jogo da corrupção. Manda-se fazer um trabalho em grupo. Apenas um faz o trabalho, os demais colocam o nome. Toda a classe sabe quem trabalhou e quem não. Em geral, os pais e os educadores também. Mas ninguém diz e nem faz nada. Semente para o futuro aproveitador do trabalho alheio, para o explorador, o cínico e o oportunista que a escola está cultivando. Quem copia pode receber nota igual e até mais alta do que aquele que faz sozinho e com suas próprias ideias. Ambos aprendem que o próprio esforço, a originalidade, o próprio critério, não valem nada.
Tão corrupto é o funcionário público que vende favores e cargos, como o professor que vende notas e aprovação no ano letivo, e o pai ou a mãe de família que se prestam a isso. Tão corrupto é o intelectual que plagia uma obra alheia, como a criança que copia a lição do colega ou leva a lição feita pelo pai e a apresenta como sendo sua. Tão corrupto é o político que encobre os maus comportamentos de seus colegas de partidos, como a mãe que encobre a cola de seu filho durante as provas.
Os corruptos adultos começam na infância, mais precisamente na escola, apropriando-se da lição de outros, mentindo ao professor, colando na prova, enganando os pais. Todavia, essa situação parece ser pequena, quase irrelevante, mas tem poderosas repercussões na vida adulta. As mensagens que o sistema educacional passam são que ser honesto é o mesmo que ser tolo, que a verdade e a franqueza é motivo de castigo, enquanto mentir e enganar só dão lucro.
São bem vistas as crianças e os pais que não reclamam, não falam o que pensam, calam. São malvistos os que opinam, discordam, propõem, participam com iniciativas próprias. Assim se aprende que é melhor ser passivo, conformista, acrítico, indolente. Contudo, estamos formando um futuro hipócrita, o futuro dissimulado que, certamente, para se dar bem entrará para o rol dos corruptos, o gancho que precisa para a sua ascensão e seu bem estar pessoal. No entanto, é na escola que se forma esse cidadão.





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