MATERIAL DA AULA
TEXTO 1 – Fato motivador - Maduro deixa a Venezuela entre
o caos e a ditadura
Talvez seja tarde demais para evitar que colapso econômico,
político e social leve o país à convulsão nas ruas ou a uma aventura
autoritária.
“Esse governo vai cair!”, entoavam centenas de manifestantes
ao longo da Avenida Libertador, no centro de Caracas. Seu avanço era contido
por tropas da polícia, da guarda nacional e do temido Serviço Bolivariano de
Inteligência Nacional (Sebin), que estavam ali para garantir que a ameaça não
se concretizasse. Pairando alguns metros acima da cena, viase o retrato enorme
de um sorridente Hugo Chávez.
O objetivo dos manifestantes na quartafeira, assim como em
duas outras ocasiões este mês, era marchar até a sede do Conselho Nacional
Eleitoral (CNE). O órgão, supostamente independente, mas claramente
comprometido com o governo chavista, vem adiando a validação das assinaturas
que integram o pedido de referendo revogatório do mandato do presidente Nicolás
Maduro, entregue pela oposição venezuelana há algumas semanas.
Com todas as vias de acesso bloqueadas, os manifestantes não
tinham como se aproximar do CNE. Então, um pequeno grupo conseguiu furar o
cordão de isolamento e partiu para cima dos policiais, fornecendo a desculpa de
que as autoridades precisavam. Com uma série de disparos ensurdecedores, bombas
de gás lacrimogêneo choveram sobre a multidão. Pelo menos 18 pessoas ficaram
feridas e 26 foram detidas no confronto.
Pamela, uma agrônoma aposentada, já na casa dos 70 anos,
estava do lado de fora de sua residência, que fica na avenida, exibindo um pequeno
cartaz feito à mão, com os dizeres: “Maduro, renuncie já!”. Com lágrimas nos
olhos, ela foi se refugiar dentro de casa. “Isso me corta o coração”, disse.
Para o regime, o saldo do dia talvez pareça positivo. As
manifestações não foram gigantescas. Os mais pobres ainda não desceram dos “barrios”
para exigir a saída do presidente. Mas também entre a população de baixa renda
a insatisfação é grande – e o governo está preocupado. Segundo levantamento
recente, quase 70% dos venezuelanos querem que Maduro deixe a presidência neste
ano, desejo intensificado pela deterioração das condições de vida, que,
impulsionada pela incompetência do governo, atingiu níveis assustadores. A economia
venezuelana vive a pior recessão em todo o mundo.
TEXTO 2 – Entendendo a crise
e a Venezuela
O PAÍS
Localizada no norte da América Latina, a Venezuela é
conhecida por sua indústria de petróleo, além da biodiversidade e recursos
naturais abundantes. Antiga colônia espanhola, o país tornou-se independente em
1813. Atualmente, está entre as nações mais urbanizadas da América Latina. A
população é de cerca de 30 milhões de pessoas e o PIB (produto interno bruto)
em 2013 chegou a US$ 408,8 bilhões. A maioria dos cidadãos vive nas cidades do
norte, especialmente na capital Caracas, maior município venezuelano.
ECONOMIA
Há mais de uma década, a economia venezuelana sofre com a
inflação mais alta da região (chegou a 56,2% em 2013). Ainda em 2003, o governo
de Hugo Chávez (presidente de 1998 a 2013) adotou medidas como congelamento de
preços da cesta básica e controle cambial, a fim de frear a saída de recursos
do país e aumentar os preços. No entanto, tais medidas tiveram alguns efeitos
colaterais como o desabastecimento - em supermercados e no comércio -, além do
surgimento do mercado negro (tanto de mercadorias, como de câmbio), o que
agravou a situação. O endividamento do governo chegou a 51% do PIB e a dívida
pública externa oficial está em US$ 107 bilhões, sem contar a dívida da PDVSA
(estatal de petróleo e gás), uma conta que pode chegar a US$ 140 bilhões.
VIOLÊNCIA
Com uma das taxas de homicídio mais altas do mundo em 2014, a
violência é uma das causas da revolta da sociedade venezuelana, que reclama
também da impunidade aos infratores. Além disso, cidadãos apontam as milícias
armadas como parte responsável pelo atual cenário.
Desde fevereiro de 2014, a população está nas ruas e se
divide entre apoiadores e opositores do atual governo de Nicolás Maduro, que
tenta frear os protestos e alega que sua administração estaria enfrentando uma
“tentativa de golpe de nazifascistas”.
GOVERNO CHAVISTA
Seguidor de Hugo Chávez e sua política de esquerda
“bolivarianista”, Nicolás Maduro era ministro das Relações Exteriores de Chávez
e já havia sido presidente interino da Venezuela, quando o mesmo se licenciou
para tratamento médico em dezembro de 2012.
Após a morte de Chávez em março de 2013, Maduro foi eleito
com 50,66% dos votos em 14 de abril do ano passado, derrotando Henrique Capriles
– governador do estado de Miranda e também candidato da oposição na eleição
anterior contra Hugo Chávez, em outubro de 2012 – e assumiu o governo cinco
dias depois, em 19 de abril. Sob o comando de um país em crise, com produtos
escassos, escalada da violência e descontentamento da sociedade, Maduro tem
dificuldades de dar continuidade ao regime de seu antecessor.
PAÍS POLARIZADO
Desde a primeira semana de fevereiro de 2014, Maduro tenta
controlar protestos que ocorrem em diversas regiões do país. Sem a simpatia e
força política de Chávez para unir políticos, movimentos sociais e as Forças
Armadas em prol da "revolução bolivariana", Maduro se juntou aos
grupos mais conservadores do chavismo. A própria oposição também está dividida.
De um lado, líderes como Leopoldo López desconfiam de instituições chavistas e
querem a saída do presidente. De outro, moderados como Henrique Capriles
acreditam na alternativa eleitoral. A forte polarização na Venezuela gera
sensibilidade política e reforça o cenário de crise atual.
O INÍCIO DOS PROTESTOS
Insatisfeitos com a insegurança e a deterioração econômica,
alguns estudantes da cidade de Táchira, oeste da Venezuela, saíram às ruas para
exigir mudanças no começo de fevereiro. Mas, o que começou como uma
manifestação pacífica se transformou em um duro confronto com a polícia. Jovens
foram presos por desordem pública. Após este episódio, o movimento estudantil
convocou uma manifestação em apoio aos colegas detidos. A oposição decidiu
também aderir à causa. No dia 12 de fevereiro, a situação piorou. Manifestações
foram realizadas em diversas cidades da Venezuela. No mesmo dia, o próprio
governo convocou simpatizantes para um movimento em comemoração ao Dia da
Juventude, data cívica venezuelana que marca uma batalha da guerra de
independência. No fim daquele dia, quando a maioria dos manifestantes já havia
deixado a mobilização, homens em motocicletas abriram fogo: dois estudantes e
um simpatizante do governo morreram e o número de feridos ultrapassou os cem,
segundo agências de notícias.
INTERNET: MAIOR DIFUSOR DE
INFORMAÇÕES
Depois do dia 12, com a morte de 3 manifestantes, a Venezuela
entrou num período de forte enfrentamento entre oposição e apoiadores do
governo. A internet tem sido um dos principais meios de divulgação dos
protestos – e também das mortes ocorridas em mais de dois meses de
manifestações. Foi por meio das redes sociais que os venezuelanos puderam dar
continuidade às ações nas ruas. Na véspera do Oscar, por exemplo, uma campanha
mobilizou estrelas de Hollywood para fazer referências à crise Venezuela
durante a cerimônia. O ator Jared Leto (vencedor do Oscar de Melhor Ator
Coadjuvante) pediu paz ao país latino-americano. "A todos os sonhadores do
mundo que estão vendo isso essa noite, quero lhes dizer: Venezuela, estamos
aqui por vocês", disse em seu discurso.
SALDO DOS CONFRONTOS
Em dois meses, os protestos deixaram 39 mortos ( 31 civis),
650 feridos, 1322 detidos. Além disso, a Procuradoria Geral do país investiga
102 casos de violação dos direitos humanos, dos quais 95 são por tratamento
cruel, 3 por homicídio consumado, 2 por tortura e 2 por homicídio frustrado.
TEXTO 3 – Na Venezuela, a militarização avança
"O
Equador é um convento, a Colômbia é uma universidade, e a Venezuela é um
quartel." A frase, atribuída ao herói da independência sul-americana Simón
Bolívar (1783-1830), continua valendo cerca de dois séculos depois.
Sempre parece
haver motivo para evocar tais características supostamente dominantes no perfil
desses países. A Venezuela, por exemplo, passa há 15 anos por um processo de
militarização, indicando que Bolívar tinha razão.
"Já faz
um século que o Exército exibe um alto nível de organização. Se agora consegue
se fundir com o partido do governo – o Partido Socialista Unido da Venezuela
(PSUV), o grupo político mais forte atualmente –, será muito difícil saber ao
certo quem detém as rédeas do país: os civis ou os uniformizados", diz o
especialista Víctor M. Mijares, do Instituto Alemão de Estudos Globais e
Regionais (Giga), salientando que a fusão cívico-militar é o objetivo da elite
chavista.
Neste ano,
várias iniciativas da ala "bolivariana revolucionária" apontaram para
essa direção: a militarização das operações para reprimir os protestos contra o
governo; a criação da Brigada Especial contra as Atuações dos Grupos Geradores
da Violência (BEGV), com objetivos similares; o incentivo à vigilância e à
delação entre cidadãos mediante a figura do "patriota cooperativo"; a
decisão judicial que aprovou a participação dos militares em atos
político-partidários e a promulgação de uma nova lei de alistamento militar.
O serviço
militar é obrigatório para pessoas físicas e jurídicas – entre os 18 e os 60
anos – e não tolera objeções de consciência. Quem não se inscreve não pode
tirar carteira de motorista nem receber título universitário ou posto de
trabalho no setor público ou privado. "Se impõe, assim, a noção de cidadão
combatente, subordinado, sem possibilidade de dissidência, à figura do
presidente, que é comandante das Forças Armadas", diz o especialista Ivo
Hernández, da Universidade de Münster.
"A isso
se soma a pretorianização [militarização] do Exército, sua instrumentalização
para alcançar as metas de um regime, como se faz nas ditaduras. Como se isso
não bastasse, com a ajuda do regime castrista em Cuba, cruzar a informação
proporcionada por esse novo alistamento militar com a de outras bases de dados
permitirá ao governo venezuelano saber quem é quem, o que faz com determinadas
pessoas, onde, quando e para quê. E isso propicia um controle quase total sobre
a população. É uma situação muito grave", acrescenta Hernández. O
especialista considera que, para os venezuelanos, isso significa a perda da
condição de cidadãos. "O que militariza uma sociedade não a
civiliza."
TEXTO 4 – E no Brasil?
Sem
perspectiva de solução, a crise política e econômica na Venezuela deveria
preocupar o governo brasileiro pela possibilidade de um desenlace violento e
caótico, com agudos efeitos sobre os países vizinhos e a região.
Durante 16
anos, o “socialismo bolivariano” interveio de forma crescente na economia,
expropriou bens, controlou preços e câmbio, a corrupção se ampliou, a violência
e a criminalidade aumentaram exponencialmente. A capacidade produtiva do pais
está seriamente afetada, com exceção do setor de petróleo, apesar de crescentes
problemas. A queda do preço do petróleo — que poderá se acentuar com o acordo
com o Irã — e o crescente custo de produção reduziram a principal fonte de recursos
do governo. Esse quadro se deteriorou ainda mais com Maduro, pela crescente
escassez de alimentos, desvalorização da moeda, inflação galopante (estimada em
189% em 2015) e crescimento negativo (cerca de 7%).
O Brasil
já sente as consequências da crise: o intercâmbio comercial está em queda em
virtude das restrições cambiais e companhias brasileiras, inclusive as
construtoras, não estão sendo pagas. No âmbito do Mercosul o governo do PT terá
de se posicionar, se houver “ruptura da ordem política”, e aplicar a cláusula
democrática, com a suspensão da Venezuela do Mercosul. Recentemente duas
comissões de parlamentares brasileiros visitaram Caracas: uma, integrada por
representantes da oposição, foi impedida de sair do aeroporto; outra, formada
por representantes da base de apoio ao governo do PT, produziu um relatório
dando conta da total normalidade da situação política e econômica no pais...
Nesse
cenário, o governo brasileiro — que mantém, por afinidade ideológica, firme
apoio ao socialismo bolivariano — deveria preparar-se para as possíveis
implicações sobre nossos interesses. A crise, que parece se avizinha, terá de
ser enfrentada levando em conta a defesa da democracia e dos direitos humanos.
Mais cedo do que se espera, a política externa do governo do PT vai ser testada
pelos acontecimentos na Venezuela.
TEXTO 5 – algumas imagens
TEXTO 6 – Cinco retratos da deterioração da qualidade de
vida na Venezuela
1. A luz é cortada diariamente
Na Venezuela, há um Comitê de Afetados pelos Apagões, que
registrou 8.250 cortes de luz nos últimos três meses em todo território.
Não há números oficiais sobre as interrupções de energia, mas
o governo oficializou nesta semana o racionamento em residências, setor
público, centros comerciais e escolas em todo o país (exceto Caracas, que é
protegida contra falhas de energia).
2. A água que vem fraca, suja e malcheirosa
Em relação aos cortes de água, que também tornaram-se
frequentes em todo o país, não há comissão envolvida, mas ao contrário da
situação elétrica, o problema atinge Caracas - e com mais intensidade nos
últimos dois anos. Como parte da paisagem dos bairros populares do país, às
antenas de TV por satélite que estão em cada casa foram acrescentadas tanques
azuis em quase todos os telhados.
3. A angústia de que o dinheiro não dê
Muitos venezuelanos sabem o que é bom: o que é passar - e
repetir - férias em família em um resort com tudo incluso.
Mas com a inflação, que neste ano se tornou hiperinflação, o
venezuelano teve que sacrificar idas a restaurantes, viagens de táxi e a carne
e o peixe da dieta.
4. A interação social é cortada
E não há nada mais sagrado para o povo venezuelano que suas
relações: a interação com família, amigos ou colegas é uma atividade
prioritária no país. É por isso que falam tanto ao celular.
5. Medo de morrer
Mas, além de isolado nas comunicações, os venezuelanos foram
trancados por medo de que ocorra uma daquelas histórias de desmembramento,
sequestros ou massacres que se ouvem por aí. As noites em áreas de classes
média e alta em todo o país tornaram-se um deserto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário