TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Jovem
é repreendida por usar turbante e levanta debate na internet
A jovem Thauane Cordeiro fez um post na sua página no
Facebook em que questionou a "apropriação cultural" --a adoção de
alguns elementos de uma cultura por um grupo cultural diferente.
Ela conta que foi repreendida por outras mulheres, pois
estava usando um turbante. No entanto, Thauane tem câncer e estava com o
acessório, que é típico da cultura afro, para disfarçar a queda dos fios.
Leia trecho do relato:
"Vou contar o que houve ontem, para entenderem o porquê
de eu estar brava com esse lance de apropriação cultural:
Eu estava na estação com o turbante toda linda, me sentindo
diva. E eu comecei a reparar que tinha bastante mulheres negras, lindas aliás,
que estavam me olhando torto, tipo 'olha lá a branquinha se apropriando da
nossa cultura'. Enfim, veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar
turbante, porque eu era branca. Tirei o turbante e falei 'tá vendo essa careca,
isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus.', Peguei e saí e ela
ficou com cara de tacho."
Ao fim do relato, postado no dia 4 de fevereiro, ela ainda
colocou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. Até o momento, seu post recebeu 62
mil curtidas e foi compartilhado mais de 20 mil vezes. O episódio aconteceu em
Curitiba.
TEXTO 2 – Apropriação cultural é racismo?
Em 2015, o
estopim foi o penteado com dreadlocks, tradicionalmente associado à cultura
negra, usado pelas celebridades americanas Miley Cyrus e Kylie Jenner, ambas
brancas. Em 2016, foi um baile de Carnaval, em São Paulo, em homenagem à
África. Em 2017, foi uma estudante paranaense e branca que disfarçou sua queda
de cabelos, consequência de um tratamento contra leucemia, com um turbante. A
discussão sobre apropriação cultural tornou-se tão recorrente quanto inflamada.
Quando uma manifestação cultural pode ser considerada própria de um grupo?
Quando usar elementos tradicionais de outro grupo é um desrespeito? Quando é
uma manifestação de apoio? Quando é um gesto desinteressado, sem conotações
políticas? Faz diferença se esse grupo luta por inclusão?
Tahuane
Cordeiro, a estudante paranaense que se disse hostilizada no metrô de São
Paulo, afirma que seu gesto de enrolar um pano na cabeça não tinha nenhuma
intenção política. “Estava na estação com o turbante, toda linda, me sentindo
diva. Comecei a reparar que mulheres negras, lindas aliás, estavam me olhando torto.
Veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante porque eu era
branca. Tirei o turbante e falei ‘tá vendo essa careca, isso se chama câncer,
então eu uso o que eu quero! Adeus’”, disse, pelo Facebook, em uma mensagem
curtida 140 mil vezes. Superexposta, Tahuane tornou-se alvo da raiva e da falta
de argumentos das redes sociais. “Tô ficando assustada com a quantidade de
hater”, disse.
A discussão
sobre se apropriação cultural representa racismo tornou-se tão recorrente
quanto inflamada
O pano de
fundo do debate sobre apropriação cultural é uma discussão sobre racismo. Para
a cantora Leci Brandão, a apropriação é desrespeitosa por se apropriar de
símbolos da cultura negra, sem levar junto as mensagens. “O problema não está
na difusão do produto cultural tradicional, mas na eliminação da população
negra desse processo.” Para o antropólogo Antonio Risério, o debate no Brasil é
mera cópia daquele que ocorre nos Estados Unidos – descabido por supor que,
aqui, a divisão entre brancos e negros é profunda como a de lá. “Nada do que
chegou ao Brasil permaneceu ‘puro’”, afirma. “Esta baboseira de ‘apropriação
cultural’ é coisa de quem quer implantar apartheids em nossos trópicos, em vez
de se lançar às marés das misturas.”
TEXTO 3 – “É baboseira querer isolar comunidades”, diz
Antonio Risério
Parte da atual cultura universitária, entrincheirada nas
“humanidades” e produzindo efeitos na esfera do “ativismo”, resolveu fazer uma
dupla abolição. De uma parte, aboliu as classes sociais: agora, só existem sexo
e etnia. De outra, no rastro de uma velha fantasia racista, aboliu os mestiços.
E estes “abolicionistas” são autoritários, “fascistas de esquerda”: quem
discorda da tese merece o fogo do inferno.
Isso aconteceu nos Estados Unidos, claro. Mas, graças ao
capachismo mental de nosso sistema universitário, vai se reproduzindo no
Brasil. Como se fosse possível substituir nossa experiência histórica e social
pela experiência histórica e social dos americanos. É o ménage à trois do
escapismo, da ignorância e da alienação colonizada.
>> Apropriação cultural é racismo?
A jovem filósofa Bruna Frascolla, tradutora de David Hume,
foi direto ao assunto: “Tenho colegas que já andavam problematizando turbante
porque nos Estados Unidos se problematiza turbante. A fórmula é a seguinte:
sempre que vocês virem um jovem que se pretenda progressista afirmando alguma
coisa digna do kkk (risada-padrão de deboche na internet) ou das mulheres de
Aristófanes, isso vem de modismos acadêmicos dos Estados Unidos. São os estudos
de questões sociais feitos em departamentos de literatura (sim!), sem qualquer
compromisso com análise concreta e rigorosa de dados. Os ‘gender studies’, os
‘postcolonial studies’ e a caçula ‘queer theory’. Tudo consiste em pegar o
antagonismo de classes do marxismo, a dinâmica opressor-oprimido, e transferir
para etnia e sexo”.
No campo racial, eles dividem o mundo drasticamente entre
brancos e pretos. (Os Estados Unidos são uma anomalia planetária: o único país
do mundo que não reconhece a existência de mestiços.) Misturas são miragens,
ilusões de ótica. Nesse apartheid, branco usa coisa de branco; preto, coisa de
preto. “Brancos e negros, assim como homens e mulheres, são fundamentalmente
diferentes e cabe ouvir o oprimido sem questioná-lo.” Todos no reino da
filantropia ideológica, portanto.
Os Estados Unidos são uma nação de fraca capacidade
integradora e alto poder destrutivo. Em sua obra Fenomenologia do brasileiro,
Vilém Flusser, judeu nascido na Praga de Kafka, já falava da insularização
local das etnias, que viria a produzir uma série compartimentada de nipo, ítalo
ou afrodescendentes. Ao lado disso, o poder destrutivo. O exemplo clássico está
no assassinato espiritual do africano nos Estados Unidos.
Sob a pressão do poder puritano branco, as religiões negras
foram destruídas naquele país. Por isso, Martin Luther (Martinho Lutero,
note-se) King foi um pastor protestante e não um babalaô, senhor das práticas
divinatórias de Ifá. Se tivesse acontecido aqui e em Cuba o que aconteceu nos
Estados Unidos e na Argentina, não teríamos um só orixá vivo, hoje, em toda a
extensão continental das Américas.
Para dar outro exemplo, os sintagmas “black religious music”
e “música religiosa negra” são linguisticamente equivalentes, mas culturalmente
dessemelhantes. No primeiro caso, o que temos é o hinário protestante preto,
recriação de salmos brancos. No segundo, a música sacra africana executada em
nossos terreiros de candomblé, com alabês e atabaques. Lá, a destruição; entre
nós, a sobrevivência. Com orixás celebrados com grande sucesso na cultura de
massa. Por quê?
Porque aqui a mescla foi total. Não houve apenas o fato
biológico da miscigenação, mas o reconhecimento social e cultural das misturas,
que é o que define a mestiçagem. Durante séculos, nos Estados Unidos, a
miscigenação foi uma prática fora da lei, inclusive com a proibição legal de
casamentos interétnicos. E a mestiçagem nunca existiu. Nunca foi reconhecida
como tal.
Outra coisa: mestiçagem não é sinônimo de harmonia. Tem uma
forte carga de conflitos. Não se trata de idealizar nada. Mas é preciso
entendê-la, ou não nos entenderemos jamais. Hoje, ao contrário, o que se quer é
abolir o fenômeno. Tentar exorcizar as ambiguidades brasileiras e transformar o
país num campo racial polarizado, à maneira dos Estados Unidos.
O Brasil não é um país multicultural. E nem tem como adotar a
ideologia multiculturalista, com sua fantasia de isolar cada “comunidade” numa
espécie qualquer de autismo antropológico. Em consequência de nossos processos
histórico-culturais, o sincretismo é o traço central da dimensão simbólica de
nossa existência. Temos, sim, a mestiçagem e o sincretismo, para além dos que
querem agora nos obrigar a olhar o povo brasileiro pelas lentes americanas, com
o horror puritano às misturas, a mixofobia anglo-saxônica, que sempre teve nojo
de negro.
Combater a mestiçagem é uma tolice. Combater o sincretismo é
combater o que há de mais rico na vida, que são as trocas de experiências e de
signos. Mais: toda crítica que tivermos, ao processo brasileiro, deve ser feita
para enriquecê-lo. Mas agora vem a PPC – a Polícia do Politicamente Correto –
para empobrecer tudo, na base do fascismo travestido de progressismo? Não dá.
Não queiram nos convencer de que apartheid é sinônimo de democracia. Temos de
deixar esses modismos de lado – e tratar de pensar o Brasil por nossa conta e
risco.
TEXTO 4 – Branco pode usar
turbante?': Saiba o que é apropriação cultural
A palavra
“apropriar” significa tomar para si. O termo “apropriação cultural” é um conceito
da antropologia e se refere ao momento em que alguns elementos específicos de
uma determinada cultura são adotados por pessoas ou um grupo cultural
diferente.
Mas não é
só isso. O conceito de apropriação cultural passa por uma reflexão política.
Esse uso tem uma conotação negativa, especialmente quando a cultura de um grupo
que foi oprimido é adotada por um grupo de uma cultura dominante.
A cultura
é um universo de símbolos e as imagens e as estéticas são fruto das experiências
humanas. Um turbante carrega significados mais complexos e profundos do que
simplesmente ser uma vestimenta. A peça tem origem nas culturas afro-orientais.
No Brasil, o turbante é um ornamento religioso no candomblé, religião
brasileira criada por africanos de diferentes etnias, advindos da escravidão.
Ele é usado tradicionalmente por povos da África, do Oriente Médio e da Ásia
Desde a
chegada dos escravos no Brasil, ritos espirituais africanos eram proibidos pelos
colonizadores portugueses. Até a década de 1930, o candomblé era perseguido
pela polícia e existia na clandestinidade. Muitos adeptos da religião sofreram
racismo e ainda sofrem preconceito nas ruas por usar turbantes e outros símbolos
afros. Por muito tempo o turbante foi visto de forma pejorativa como “coisa de macumbeiro”.
Todo esse contexto faz com que um negro, ao usar um turbante hoje, use-o não
apenas como um item estético, mas também como um símbolo de resistência,
afirmação e orgulho da ancestralidade.
E quando o
turbante é usado por um não negro? A princípio não há problema. A liberdade
individual é uma premissa de uma sociedade democrática. A pessoa pode levar o modo
de vida que desejar e vestir o que quiser. Mas será que esse uso é ético? Será
que ela não está refletindo uma relação de poder?
O poeta
negro B. Easy publicou em sua conta no Twitter a frase: A cultura negra é popular,
pessoas negras não são. A apropriação cultural esquece as práticas rituais e
torna invisíveis as lutas desses povos. Pessoas começam a usar roupas e acessórios
sem saber seus significados e origens. Ou seja, dá margem para que elementos de
uma cultura sejam banalizados, estereotipados ou simplesmente reduzidos a
“exóticos”.
Recentemente,
a moda se apropriou dos turbantes com estampas étnicas. Modelos e atrizes
brancas posaram para editoriais em revistas de moda. Adotado por uma determinada
elite, o turbante se tornou estiloso. Por que os modelos não eram negros? Como
fica a cultura negra? Possivelmente esquecida ou ainda esvaziada de sentido.
Vamos
voltar aos símbolos. Por que cultura dominante? Quando uma cultura é dominante,
ela se coloca como o padrão aceitável. Por exemplo, no período da Roma Antiga,
os romanos invadiam regiões da Europa e pouco a pouco o idioma latim foi
imposto aos povos nativos. Quando um símbolo de um povo marginalizado é tomado
pelo elemento dominante, isso se torna uma relação de privilégio de uma cultura
em relação à outra. Trata-se de um processo que envolve desigualdade e
desrespeito.
Depois das
Grandes Navegações, no século 15, o contato entre diferentes povos se intensificou
e países europeus criaram colônias nos territórios do “Novo Mundo”. A partir da
colonização europeia, diversas culturas foram gradativamente subjugadas e
incorporadas ao âmbito da visão de mundo ocidental. A diáspora de povos como o
povo negro, o povo judeu e o povo cigano também contribuiu para esse fluxo. As
culturas dos outros (não ocidentais) eram consideradas exóticas, selvagens, inferiores
e muitas vezes reprimidas. Ao mesmo tempo, muitas culturas acabam assimilando
sem maiores conflitos os “traços” vindos de outros povos (sincretismo) formando
uma nova identidade social. A cultura é viva e ela está sempre em movimento.
O
sincretismo aconteceu em diversos momentos da história. No Brasil, os índios Kayapós
possuem cantos tradicionais com origem em outros povos indígenas. Na Amazônia,
ribeirinhos usam redes (de origem indígena) para dormir. Outro exemplo: os
colonizadores portugueses levaram a mandioca, raiz típica da culinária
indígena, para Angola. Hoje a mandioca é muito comum no país africano. (...)
Mas qual o limite entre o elogio a uma cultura e
a apropriação e esvaziamento de significado dela?
Existem
pessoas que entendem que não existe problema em consumir bens culturais de
outros povos, tudo isso são traços da individualidade e da busca de estilos de
vida. Existem ainda aqueles que entendem que ao entender que uma determinada
prática cultural só deve ser exercida pelo grupo que o legitima. Seria isso
autoritarismo ou afirmação?
A
discussão é polêmica e repleta de perguntas. Brancos devem cantar rap? Ocidentais
podem praticar o xamanismo indígena ou fazer a yoga indiana? O maracatu deve
ser um produto de carnaval? É complexo definir o momento em que o uso de
símbolos e costumes de um povo torna-se uma ofensa ou sinal de perigo.
O problema
parece estar no ato de consumir sem a reflexão ou sem o devido respeito, o que
esvazia o sentido. E quando esse comportamento se choca com a tradição de um
povo, as coisas começam a ficar mais complicadas. De onde esse artefato veio?
Que história ele conta? Que povo ele representa? Não é o ato de usar um
turbante que ofendem esses grupos, mas o fato de usar o turbante sem ter
consciência de seu valor simbólico para as comunidades tradicionais. É mais
ofensivo ainda utilizar um símbolo para fins econômicos e que não tragam
retorno para a comunidade “de origem”.
Um exemplo
é a polêmica da marca Havaianas. Ela criou uma coleção de sandálias que leva
ilustrações da etnia Yawalapiti, um dos povos indígenas do Alto Xingu, no estado
do Mato Grosso. Os grafismos Yawalapiti são considerados propriedade coletiva e
não um desenho de autoria de uma pessoa só. O contrato da marca foi feito com
uma pessoa da etnia, mas não teve a autorização dos caciques para autorizar a
reprodução dos desenhos para uso comercial. Quem é dono de um conhecimento
coletivo e de uma cultura imaterial?
TEXTO 5 – Algumas imagens
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