TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Marcha racista em
Charlottesville eleva tensão nos EUA
A tensão
racial aumentou nos Estados Unidos (EUA) após os episódios do último sábado
(12/8). Grupos supremacistas brancos
realizaram uma marcha na pequena cidade de Charlottesville, no estado da
Virgínia. Com palavras de ordem contra negros, homossexuais, imigrantes e
judeus, os manifestantes racistas protestavam contra a retirada da estátua do
general Robert E. Lee, de um parque local.
Durante a
Guerra de Secessão (1861-1865), o general Lee lutou no Exército Confederado,
que defendia a manutenção do sistema de escravidão dos negros. Ele é
considerado um herói por grupos da extrema-direita e símbolo do poder branco
sulista.
Em oposição à
marcha, grupos antirracistas convocaram um contraprotesto. Houve confrontos, e
uma mulher que protestava contra os supremacistas morreu atropelada por homem
simpatizante do nazismo. Dois policiais também morreram após a queda de um
helicóptero que monitorava os protestos e outras 19 pessoas ficaram feridas
O presidente
dos EUA, Donald Trump, hesitou inicialmente em condenar explicitamente o
protesto supremacista e pior: equiparou as atitudes dos grupos racistas e
antirrarcistas. Dois dias depois, pressionado pela opinião pública, discursou
em tom crítico contra os supremacistas. A questão é delicada para Trump, que,
com sua postura antimigratória e xenófoba, atraiu a simpatia dos supremacistas
brancos, que o apoiaram nas eleições presidenciais de 2016.
A herança escravagista
A luta por Direitos Civis
TEXTO 2 - Marcha racista e neonazista nos EUA deve ter
animado muita gente no Brasil
Sabe a
humanidade? Então, ela deu errado.
Bradaram que ''Vidas brancas importam'', uma
referência ao movimento ''Black Lives Matter'', contra a morte de negros pelas
mãos do poder público. Sem pudor algum.
Considero um
insulto alguém dizer que brancos são vítimas de preconceito estrutural e se compararem a negros ou outros grupos
historicamente explorados, tanto aqui como lá. Aliás, quando alguém reclama de
''racismo contra brancos'' na verdade está insatisfeito com a reação desses
grupos contra a opressão. Ou se manifestando contra a aplicação das já tímidas
políticas públicas, adotadas por pressão da sociedade civil, para reverter um
quadro de injustiça social crônica.
A marcha foi
lá, mas deve ter animado muita gente por aqui. No Brasil, há um genocídio de
jovens pobres e negros nas periferias das grandes cidades, homossexuais são
vítimas preferenciais de assassinatos e espancamentos e migrantes sofrem
preconceito e são escravizados – sejam em grandes fazendas, na construção civil
ou em oficinas de costura.
Há um pessoal
que não se indigna diante do fato da mulher negra ganhar, em média, muito menos
que o homem branco para uma mesma função. Indigna-se com quem diz que racismo
existe. Não fica revoltado diante da morte de jovens pobres e negros.
Revolta-se com a filha negra da empregada se sentar no mesmo banco de faculdade
que eles. Não acha preconceito dar porrada no sujeito que foi acusado de roubar
o próprio carro no estacionamento de um supermercado por ser negro. Para ele, preconceito são cotas. Seria
cômico se não fosse trágico o perigo representado por um grupo branco (com direitos
assegurados) que se manifesta de forma organizada – e, por vezes, violenta –
diante da luta de outros grupos por sua dignidade.
Lembrando que
''maioria'' e ''minoria'' não são uma
questão numérica, mas dizem respeito ao nível de efetivação da cidadania,
uma maioria reivindica a manutenção de privilégios, garantindo, dessa forma, o
espaço que já é seu (conquistado por violência, a ferro e fogo).
Ir contra a
programação que tivemos a vida inteira, através da família, de amigos, da
escola, da mídia e até de algumas igrejas em que pastores pregam que ''africanos
são amaldiçoados por Deus'' é um processo longo pelo qual todos nós temos que
passar. Mas necessário. Todos nós, nascidos neste caldo social de sociedades de
herança escravista, como os Estados Unido e o Brasil, somos potencialmente
idiotas a menos que tenhamos sido devidamente educados para o contrário. Pois
os que ofendem uma jornalista de forma tão aberta, como foi o caso da apresentadora Maria Júlia
Coutinho, da TV Globo, só fazem isso por estarem à vontade com o anonimato
(Hanna Arendt explica) e se sentirem respaldados por parte da sociedade. Toda a
vez que alguém trata da questão da desigualdade social e do preconceito que
negros e negras sofrem no Brasil (herança cotidianamente reafirmada de um 13 de
maio de 1888 que significou mais uma mudança na metodologia de exploração da
força de trabalho, pois não permitiu bases para a autonomia real dos trabalhadores
africanos e seus descendentes), é linchado em redes sociais.
E isso, por
fim, empodera muita gente. Que sai às ruas com tochas. Cultivando ódio.
Lembrando a abominável Ku Klux Klan.
E, sem que o ato seja devidamente repudiado pelo governo, o monstro cresce. Sem
sabermos até onde ele pode ir. Um sentimento de vergonha alheia, muito maior do
que sair pelado na rua, com purpurina dourada no corpo, com um cabrito imolado
nas mãos, toma conta de mim quando vejo esse povo branco, hétero e homem dizer
que se sente oprimido por negros, gays, lésbicas, transexuais, migrantes,
judeus. Nessas horas, só posso citar a sabedoria presente na mitologia cristã,
uma das melhores passagens de toda a bíblia, em minha humilde opinião.
Evangelho de
Lucas, capítulo 23: Pai, perdoai. Eles não sabem o que fazem
TEXTO 3 - Intolerância, racismo às
claras e fuzis à mostra: maior protesto movido pelo ódio em décadas nos EUA
O protesto "Unite
the Right", ou "Unir a
Direita", até então não tinha muito espaço na imprensa. Alguns blogs
chamavam atenção para o ato, alguns com elogios à celebração do orgulho e
nacionalismo americano, outros com críticas à ideia de segregação que estes
valores podem carregar. Meu vagão no trem era heterogêneo. Famílias voltavam
para a cidade com bebês para o almoço de domingo com os avós, estudantes vinham
reencontrar pais e namorados, um ou outro jornalista fingia que estava ali por
coincidência e achava que estava sendo discreto mexendo freneticamente em seu
computador, tablet e celular (eu era um deles).
Quatro homens chamavam
atenção na fileira ao lado. Carecas, fortes, cheios de tatuagens, vestindo
calça bege e camisa branca, eles conversavam sobre algo sério - e me olhavam
muito feio quando eu tentava ler seus lábios, que sussurravam e me deixavam
pescar apenas palavras soltas. Uma delas foi "hate" - ou ódio.
Pois foi exatamente
ódio o que eu encontrei nas horas seguintes. A extrema-direita está em ascensão
nos EUA?
Enquanto desfazia a
mala, li no Twitter boatos de uma possível demonstração-surpresa dos
manifestantes, que haviam feito um acordo com a prefeitura para desfilar pela
cidade só no dia seguinte.
Era sexta-feira à
noite e eu corri para a Universidade de Virginia, ao norte do centro da
cidadezinha de casarões preservados e praças com monumentos antigos. O campus
estava escuro, vultos andavam de um lado para o outro em busca de algum sinal.
Um grupo de
aproximadamente 20 homens subiu em passo acelerado em direção ao jardim
interno. A 50 metros de distância, um grupo menor os seguia. Corri até eles
pela penumbra.
Um homem com tom
agressivo começa a falar no megafone. "Alinhem-se agora! Duas filas!
Todos! Agora!"
A linha iluminada
pelas tochas já alcançava o horizonte quando eles começaram a marchar. "Vocês não vão nos substituir!",
"Judeus não vão nos
substituir!", "Vidas
brancas importam!", gritavam, bradando também ofensas a gays e estrangeiros.
"Sou nazista, sim", "A negra está assustada", "Suma daqui, viadinho", "Ele não é americano". Os gritos raivosos, partindo do
meio das tochas que homenageavam a Ku Klux Klan (grupo racista que promoveu
linchamentos, enforcamentos e assassinatos de negros), bastões de baseball e
socos ingleses.
A caminhada terminou
com uma briga generalizada com estudantes que tentaram impedi-los de se
aproximar da estátua de Thomas Jefferson, terceiro presidente americano, em
frente ao prédio principal da universidade.
Durante quatro horas,
homens com suásticas tatuadas no crânio e bandeiras confederadas (símbolo do
grupo que lutou na guerra civil americana por manter a escravidão) trocavam
socos, pauladas e cusparadas com jovens vestindo máscaras e carregando bastões
de madeira e sprays de pimenta. Eles se batiam até sangrar, e policiais como o
velho Manny assistiam a tudo de longe, visivelmente impotentes diante de grupos
numerosos, estimados entre 2 e 6 mil pessoas, segundo a mídia local.
Os nacionalistas, neonazistas,
supremacistas brancos e simpatizantes se concentravam na praça, em torno da
estátua do general confederado Robert E. Lee, um dos principais defensores da
escravidão. Antifascistas, punks, anarquistas e simpatizantes (incluindo
hippies de roupas coloridas e tranças como os que vemos nos vídeos de
Woodstock) ficavam do lado de fora.
Para entrar na praça,
os nacionalistas precisavam atravessar um paredão formado por antifascistas.
Durante o caminho saltavam ofensas pesadas de ambos os lados, e volta e meia os
ataques verbais se tornavam físicos.
TEXTO 4 - O que foi a Ku Klux Klan?
Ela ainda existe?
A Ku Klux Klan (KKK)
foi uma organização racista secreta que nasceu no final do século 19 nos
Estados Unidos. Ela foi fundada em 1866, no Tennessee, como um clube social que
reunia veteranos confederados, ou seja, soldados que haviam lutado pelos
estados do Sul, o lado derrotado, na Guerra Civil Americana (1861-1865). As
duas palavras iniciais do nome da organização, “Ku Klux”, aparentemente vêm da
palavra grega kyklos, que significa “círculo”. Já o termo “Klan” teria sido
acrescentado para dar melhor sonoridade à expressão, além de fazer uma
referência aos velhos clãs, grupos familiares tradicionais. Muito mais do que
um clube, a KKK se transformou numa entidade de resistência à política liberal
imposta pelos estados do Norte após a Guerra Civil, que assegurava, entre
outras coisas, que a abolição da escravatura fosse mesmo cumprida. Na defesa da
manutenção da supremacia branca no país, o grupo promovia atos de violência e
intimidação contra os negros libertados.
Seus militantes
adotaram capuzes brancos e roupões fantasmagóricos para esconder a identidade e
assustar as vítimas. A partir de 1870, o governo americano decidiu enfrentar a
organização e, em 1882, a Suprema Corte do país declarou inconstitucional a
existência da KKK. “Ela parecia ter desaparecido durante os últimos anos da década
de 1880, mas foi revivida em meados do século 20”, diz a historiadora e
jornalista americana Patsy Sims, da Universidade de Pittsburgh. A nova KKK foi
criada em 1915, no estado da Geórgia, e não era mais movida apenas pelo ódio
contra os negros. Sua doutrina misturava agora nacionalismo e xenofobia a um
sentimento romântico de nostalgia pelo “velho Sul”. “Durante essa reencarnação,
a KKK tinha como alvos de sua violência os imigrantes, além de católicos,
judeus e negros”, afirma Patsy. Uma cruz em chamas se tornou o símbolo da nova
organização, que chegou a ter 4 milhões de membros.
Após a Grande
Depressão dos anos 30, porém, ela perdeu força novamente, apesar de ter voltado
à ativa na década de 60, durante os movimentos pelos direitos civis, que defendiam
a igualdade racial nos Estados Unidos. No fim dos anos 70, grupos anti-Klan
deram o golpe final na organização ao atingir o bolso dos líderes racistas,
exigindo nos tribunais grandes indenizações para vítimas de seus atos
violentos. “Embora a Ku Klux Klan ainda exista, sua força hoje é pequena. A
maioria dos militantes radicais aderiu a grupos ainda mais violentos de defesa
da supremacia branca, como a Nação Ariana e outras organizações ligadas ao
neonazismo“, afirma Patsy.
TEXTO 5 - 'Não vou falar com preto':
executivo negro relata racismo no mundo corporativo brasileiro
Cesar Nascimento pode
vestir paletós caros, óculos de grife, sapatos italianos. Frequentar
restaurantes sofisticados de São Paulo. Ter funcionários sob suas ordens, ir a
reuniões com parceiros internacionais, falar inglês. Cesar Nascimento pode
fazer tudo isso, mas diz que não será tratado como igual entre seus pares. Ele
não pode mudar a cor de sua pele. É um executivo negro.
Como tal, Nascimento,
63 anos, muitos deles passados em multinacionais como Microsoft e a agência de
publicidade J. Walter Thompson, sempre precisou provar a seus clientes que era,
sim, o diretor financeiro - e não um assistente. À BBC Brasil, disse que o
preconceito também o atingiu quando abriu sua consultoria, nos anos 1990. Mas
aí descobriu como o racismo poderia ajudá-lo: aproveitava a estranheza causada
em seus clientes para fechar negócio.
"Usei o racismo
como mola propulsora. Já tinha passado por experiências de chegar em algumas
companhias me identificando como o Cesar Nascimento, sócio da empresa X, e me
deixarem na recepção. Eu não batia com o estereótipo do empresário. Deixaram de
me atender por causa disso. Porque alguém avisava, as pessoas chegavam (na sala
de espera), (me) olhavam...e eu não passava."
"Quem não sofre racismo ou discriminação não entende
exatamente.
Hoje o movimento feminista conseguiu expandir esse conceito, mas não é a mesma
coisa. O que esses grupos sofreram nunca os tirou completamente a possibilidade
de desenvolvimento econômico. Conosco, negros, sempre fomos tolhidos em dois aspectos: educação e mercado de trabalho.
A gente não tinha credibilidade ou não era aceito enquanto empresário por
sermos negros. Passei situações (complicadas) como um profissional de
experiência que monta uma empresa, mas perde os sobrenomes importantes da
carreira. Antes, era o Cesar da (auditoria) PriceWaterhouseCoopers, o Cesar da
Thompson, o Cesar da Microsoft. São sobrenomes importantíssimos. Quando passei
a ser o Cesar da minha empresa...vinha a pergunta: 'quem?'. Tudo que aprendi
enquanto profissional foi esquecido.
Comecei a crescer por
causa de empresas estrangeiras vindo para o Brasil. Elas acabavam me
contratando sem saber o que eu era, gostavam do meu serviço e irradiavam isso.
Caía a questão racial, mesmo porque para eles não fazia diferença, eu era só mais
um brasileiro.
Depois, graças a um
ex-colega, tive entrada grande num grupo da área de alimentação, o que me
permitiu buscar uma pessoa para ajudar na parte comercial. Aí comecei a usar (o
racismo a meu favor). Ele era o típico ítalo-descendente, então tinha as portas
abertas. Havia situações de entrarmos (nas empresas) e todas as atenções
iniciais ao 'grande executivo que vem nos visitar' irem para ele. E percebia
que me colocavam como o assistente ou coisa assim. Deixava a coisa correr. Aí
quando eu tomava as rédeas (da negociação) - 'ah! ele que toma a decisão' -,
notava o embaraço das pessoas. Essa era a hora de fechar o contrato porque elas
estavam fragilizadas e tinham medo de dizer não, para não serem acusadas de
racismo. É um mecanismo interessante.
Fiz uma observação (ao longo dos anos): meus amigos ricos
de verdade nunca tiveram problema comigo ou com minha família, porque eles não
têm mais nada para provar para ninguém. Agora, a classe média ascendente é
discriminatória, porque ela não quer ser mal vista por ter um amigo negro ou ir
a um restaurante onde tem negro. O rico mesmo não está nem aí, você não é
ameaça para ele."
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