Cotas Raciais, necessidade ou ilegalidade?
A Lei da Igualdade Racial acrescenta itens à Lei 7.716/89, que trata dos crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Por essa lei, quem impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da administração direta ou indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos, será punido com reclusão de dois a cinco anos. A Lei da Igualdade Racial acrescenta que terá a mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional obstar a promoção funcional no setor público.
A discriminação de raça, cor, bem como as práticas resultantes do preconceito de descendência, origem nacional ou étnica nas empresas privadas também são punidas com reclusão de dois a cinco anos. Outras práticas nesse setor, tais como negar equipamentos necessários ao empregado ou impedir a ascensão funcional por motivo de preconceito são igualmente punidas com esse período de reclusão.
Nesse contexto, muitos se questionam:
"Se existe uma lei que estabelece a igualdade racial, qual a legalidade da política de cotas?"
Material da Aula
TEXTO
1 – O fato – Dia Internacional contra a Discriminação Racial
Com metade de sua população formada por negros – cerca de 100
milhões de pessoas, o Brasil investe em leis para combater a discriminação e
promover a inclusão. Graças aos efeitos de leis como a de cotas raciais, o País
pode comemorar o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, estabelecido
pela Organização das Nações Unidas (ONU) e comemorado em 21 de março. Para o
diretor de Políticas de Educação do Campo, Indígena e para as Relações
Étnico-Raciais do MEC, Thiago Thobias, a educação é o caminho. “Temos a
formação de professores pela lei de relações étnicas e raciais, e distribuição
de material didático para as escolas. Além disso, há um processo de inclusão
desses jovens no ensino superior”, explica.
Esse processo de democratização, além de um processo de
inclusão, é um processo de convivência. “A convivência é um dos melhores
remédios para combater a discriminação e o racismo”, completa.
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Mesmo após mais de 25 anos da criação da Lei nº 7.716, de 05
de janeiro de 1989, que criminaliza a discriminação e preconceitos de raça,
existe ainda um longo caminho a percorrer na conscientização da população
brasileira contra este tipo de crime. No Tocantins, que tem mais de 70% de sua
população pertencente à raça negra, esta é uma luta diária, e que precisa de
atenção.
Negro 2Para o gerente de Políticas de Igualdade Racial da
Secretaria de Defesa e Proteção Social (Sedeps), André Luiz Gomes da Silva,
neste sábado, dia 21 de março, quando é comemorado o Dia Internacional Contra a
Discriminação Racial, é preciso chamar a atenção para o racismo velado que se
vivencia diariamente. “A população precisa tomar consciência de suas origens e
de sua cultura, se reconhecer como negro e combater qualquer tipo de violência
racial”, disse.
TEXTO 2 – Invasão de sala na USP
Estudantes de administração da Universidade de São Paulo
(USP) discutiram com um grupo de alunos negros que interrompeu a aula para
levantar um debate sobre a política de cotas da instituição. Em um vídeo
publicado na internet, a professora pede para que os estudantes marquem um
horário para falar sobre o assunto, porque ela “precisa dar aula”. Após a
declaração, a docente é questionada se sua disciplina é mais importante que a
questão racial, a partir daí, a turma começa o bate-boca.
— Estuda e entra aqui na universidade. Ninguém está
impedindo— grita o estudante que filma a discussão.
Em resposta, uma das alunas afirma ironicamente que é fácil
entrar na USP e completa:
— Eu quero ver se é bem fácil para você quando você é mulher
e preta na periferia.
Durante 16 minutos, os alunos batem-boca sobre racismo. A
briga só acaba quando outro estudante da classe, que é negro, diz que o tema é
relevante e critica o fato de na última aula a professora ter liberado a turma
duas horas antes sem reclamação.
— Eu também sempre estudei em escola particular. Estudei num
cursinho onde 170 alunos de uma sala eram brancos, eu era o único negro. É uma
questão que para vocês realmente não faz nenhuma diferença, mas para mim sempre
doeu. É muito fácil você falar de uma coisa que você não viveu e eu vivi isso a
minha vida inteira. Vocês estão reclamando da aula, a aula passada a professora
liberou duas horas mais cedo, hoje o cara está tirando 30 minutos— disse o
aluno, que foi aplaudido pela turma.
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/estuda-entra-aqui-na-universidade-ninguem-esta-impedindo-diz-aluno-da-usp-durante-discussao-sobre-cotas-raciais-15651135
TEXTO 3 – A favor das cotas
Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código
Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos
colegas de Ministério Público que “antes de se pedir a prisão de alguém deveria
se passar um dia na cadeia”. Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra
informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.
Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as
cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável
e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas.
Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também
devem existir.
Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição
como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, “guru dos concursos” e qualquer
outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e
aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a
trocar de lado: “passar um dia na cadeia”. Professor de técnicas de estudo, há
nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular
para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes.
Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino
pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três
anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores
bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e
com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem
carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar
com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem
um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo
quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto,
coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo,
decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma
princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e
armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para
sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me
incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas
para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse
assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser
divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda
de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e
comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas
para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele...
... Se você é
contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito
tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante,
nos lugares que frequenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em
condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa
parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa
“passar um dia na cadeia” antes de firmar uma posição coerente não com as
teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país.
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/11/porque-me-tornei-a-favor-das-cotas-para-negros/
TEXTO 4 – Algumas imagens
TEXTO 5 – Contra as cotas
No momento, a Universidade de Brasília vive a possibilidade
de admitir a implementação do sistema de cotas para o ingresso de ”negros” na
Universidade. Eu, apesar de todos os pseudodebates[1] a que compareci, em que a
minha e outras dezenas de mentes foram simplesmente marteladas repetidas e
reiteradas vezes com a abissal diferença sócio-econômica existente no Brasil
entre negros e brancos, tendo como base dados do IPEA, não me convenço de forma
alguma de que a adoção de qualquer política de cotas seja algo desejável.
Não, eu não nego a existência de uma vergonhosa disparidade
entre as “raças” em questão; nem o passado nada glorioso brasileiro, eivado
pelas mais variadas práticas racistas fomentadas pela sociedade e até mesmo
pelo Estado. Contudo, não consigo vincular uma coisa a outra e acreditar que
facilitar o ingresso de um maior número de “negros” na UnB mudaria, ainda que
indiretamente, para melhor a situação racista existente no Brasil.
O primeiro dos motivos que me veio à cabeça foi: será que sou
contra as cotas porquê assim o é a legislação nacional? Bom, conforme nos
explica Celso Antônio Bandeira de Mello, a partir de sua hermenêutica do
princípio constitucional da isonomia, o ordenamento brasileiro é rígido na
direção de que não só se pode como se deve discriminar. Sadios e deficientes,
adultos e crianças, homens e mulheres, ricos e pobres: são todos iguais?
Definitivamente, não. O abstracionismo de nossa legislação não chega a tal
absurdo cego em relação à diversidade óbvia. A isonomia é, essencialmente,
discriminatória. O que ela pretende, sim, é garantir que as discriminações
feitas não sejam arbitrárias nem aleatórias.
Com as devidas ressalvas, uma analogia talvez melhor ilustre
meu pensamento. Entendo, mas não partilho inteiramente, que o ponto de partida
seja a noção de que a declarada democracia racial seria um engodo histórico, e
na verdade o racismo é, culturalmente, um dado intrínseco à sociedade
brasileira; uma chaga que deve ser exposta, e não ocultada. Pois bem, traço então
um paralelo ao instinto que separa cães e gatos. Na sua condição estritamente
animal, os cães têm inegável aversão aos gatos. Assim, são análogas, num caso
pelo instinto noutro pela cultura[2], as condições que criam uma
incompatibilidade de convívio harmônico e em equilibrado entre cães e felinos e
entre brancos e negros.
Tomando a universidade como um local de concentração de
brancos: será que se eu encher de gatos um canil, haverá convivência pacífica?
Os cachorros passarão a amar os gatos? Os felinos, lá colocados, sairão
servindo de exemplo para outros que queiram entrar? E cachorros e gatos
abdicarão de suas diferenças se confinados em um mesmo local? Não seria melhor
que desde filhotes estivessem em contato, sadio, uns com os outros, em vez
desse tardio convívio forçoso? O que dizer então de fomentar a entrada de
negros num local eminentemente, segundo a visão de quem é a favor das cotas,
racista?
Assim, com base no constitucional princípio isonômico[3], e
com razoável certeza, posso concluir que o ordenamento jurídico brasileiro é
contrário à implementação de uma política de cotas. O que já me seria motivo
para ser contra as cotas.
Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4772
Texto 6 – A febre das calouradas
O pedagogo Roberto Freire afirma que devemos fortalecer nossa
“fé nos homens e na criação de um mundo em que não seja difícil amar”.
Não podemos ignorar que cada ser humano é um projeto, apto a
desenvolver suas potencialidades em benefício da sua própria evolução e a
serviço da família humana. Isso implica compreender que as pessoas têm pontos
convergentes, mas também possuem características peculiares agregadas às suas
individualidades.
A organização social não é homogênea e cada um carrega sua
própria ambiência interior, fruto de seus caracteres individuais e de suas
experiências. Logo, compreender a necessidade da indulgência e a superação da
indiferença pode facilitar o desenvolvimento da sensibilidade e bem temperar
uma concepção mais fraterna, mais afetiva, daqueles que seguem conosco, pois,
no mínimo, é o outro que serve à condição de espelho de nossas necessidades de
melhora.
De outro aspecto, inserir a prática da aceitação das
diferenças em nossa convivência diária permite a oxigenação dos nossos
mecanismos afetivos e nos ajuda a internalizar a indispensável lição de
complementaridade e de consenso, pois é sempre possível aprender algo com as
pessoas que são diferentes de nós, uma vez que a vida social é formada pela
diversidade para impulsionar o aprendizado constante.
Em nosso favor, o cultivo da tolerância nos ensina que os
“diferentes” não são adversários, mas sim aliados que nos dão os mais variados
contextos para o nosso crescimento e conquista íntima da serenidade.
Para bem viver, segundo os princípios cristãos, sufoquemos a
erva daninha da indiferença, que contribui para a desarmonia das relações
humanas. Ora, na contramão do personalismo, lutemos para desenvolver a prática
da aceitação das diferenças, que guia uma convivência indulgente, cooperativa e
favorável a nossa humanização.
Alguns Videos
Política de Cotas
Estatuto da Igualdade Racial
O Movimento Negro no Brasil
E muitas outras aqui: http://contextoshistoricos.blogspot.com.br/2012/06/questoes-etnico-raciais-e-as-relacoes.html
Demetrio Magnoli como sempre, brilhante.
ResponderExcluirObrigado pela presença Marcelo!
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