terça-feira, 28 de março de 2017

Aula 05/2017 - Operação CARNE FRACA





TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Operação Carne Fraca: o esquema podre que ronda os frigoríficos no Brasil
A Operação Carne Fraca, deflagrada no último dia 17 e que desvendou um esquema corrupto entre fiscais e frigoríficos para burlar os devidos controles sanitários, já é considerada a de maior envergadura da Polícia Federal. Ela mobilizou cerca de 1.100 agentes para cumprir 309 mandados de prisão, condução coercitiva e busca e apreensão. A operação, no entanto, acabou recebendo críticas, precisamente, pela sua espetacularidade, que repercutiu negativamente nas exportações de carne do Brasil sem que as autoridades tenham sido capazes de dimensionar o alcance das irregularidades.
As 353 páginas do despacho do juiz que autorizou as prisões, Marcos Josegrei da Silva, revelam que não há indícios de que as práticas corruptas sejam comuns em todo o país e limita os tentáculos da trama aos Estados de Paraná, Minas Gerais e Goiás e a 33 frigoríficos, que incluem unidades, isso sim, das gigantes da carne JBS e BRF, donas das marcas Friboi Seara e Big Frango e da Sadia e Perdigão, respectivamente. O juiz tampouco menciona a existência de papelão usado para rechear o frango, como foi divulgado pela Polícia Federal inicialmente, mas sim conta com detalhes de como fiscais e empresários fraudavam o processo de qualidade dos alimentos e recebiam, em troca, de grandes e pequenas quantidades de dinheiro a asinhas de frango.
O relatório, por exemplo, contempla o testemunho de uma ex-funcionária do frigorífico Peccin que assegura que a empresa, com a aprovação dos fiscais responsáveis do Ministério da Agricultura, reaproveitava partes de animais mortos e usava muito menos carne do que a necessária para a elaboração de seus produtos e a substituía por “outras substâncias”. O frigorífico ainda faria uso de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças e mascarava os alimentos estragados com produtos químicos como o ácido ascórbico e sórbico. O problema, nesses casos, não é tanto a composição dessas sustâncias autorizadas mas sim sua utilização para disfarçar carne em mau estado. Há conversas interceptadas que falam do reaproveitamento de carne caducada três meses antes.
É notória também a cumplicidade dos fiscais em casos em que a empresa deve dar saída a lotes infestados com salmonela, por exemplo. Essa bactéria que pode provocar problemas gastrointestinais é motivo de várias conversas entre servidores públicos e funcionários dos frigoríficos. Em um dos casos, um fiscal diz a outro que com a carne com salmonela dá para fazer mortadela.
O decorrer dos fatos relatados pelo juiz demonstra também a facilidade com que os fiscais corruptos se desfaziam dos colegas que sim cumpriam com a sua obrigação. Esta operação, aliás, teve seu origem dois anos atrás a partir da denúncia de um fiscal, Daniel Teixeira, que acabou sendo afastado do seu local de trabalho após identificar e perseguir irregularidades em frigoríficos. Outros fiscais que colocavam travas ao fácil funcionamento das empresas envolvidas eram alvo das conversas entre empresários e servidores que discutiam como dar um jeito neles.

TEXTO 2 –A carne brasileira não é fraca, é "forte" e a melhor do mundo
Não, a afirmativa não se sustenta. Seria incoerente. O Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 80% de gado nelore adaptado, rústico, saudável e que se alimenta basicamente de capim. A avicultura e a suinocultura operam um modelo imbatível de integração; e cooperativas sérias e competitivas. A ração conta com milho barato. Levamos décadas, mas superamos doenças como a febre aftosa, peste suína clássica, gripe aviária, etc. graças a uma ação integrada e eficaz dos pecuaristas com os órgãos oficiais federais e estaduais de defesa agropecuária. A indústria processadora de carnes é top no mundo. O Sistema de Inspeção Federal (SIF) é respeitado internacionalmente. Ufanismo? Se não fosse assim, como explicar a posição de primeiro exportador mundial de carne bovina, segundo de aves e quarto de suíno? Faturamos US$12 bilhões de dólares de venda externas em 2016. Vendas concretizadas após o cumprimento das formalidades, mediante a expedição de 853 mil partidas de produtos de origem animal, das quais só 184 com desconformidades, segundo o MAPA.
É patrimônio de causar inveja às mais poderosas economias do planeta. E tudo isso está agora sujeito a chuvas e trovoadas por causa de 33 fiscais mancomunados com executivos de três frigoríficos? Calma lá, não é bem assim. Eles não conseguiriam tamanho estrago sozinhos. O buraco é mais embaixo; há mais do que aviões de carreira nesse céu.
Ora, que a pecuária de corte brasileira é saudável, já se sabe. Que a indústria de processamento de carnes está entre as melhores do mundo, já se sabe. Que o Estado brasileiro está longe dos mais eficientes do mundo, mas a inspeção é muito boa, também já se sabe. Que o sistema político nacional induz o deputado/senador ao papel de despachante de luxo e ter que buscar as formas possíveis para se reeleger, também já sabemos, e com tristeza. Que a impunidade geral e duradoura, com larga história de tolerância no Brasil, incentivando criminosos a agirem, desinibidos, e em todas as áreas, também sabemos.
Portanto, não se pode sacar conclusões apressadas ou enviesadas, do tipo se o Estado não tivesse atrapalhado teria ajudado muito; isso acontece porque os fiscais não fiscalizam; a culpa é dos políticos; a ganância dos empresários é que provoca esse escândalo. Isso aconteceu porque os fiscais desonestos têm liberdade de agir.
Vamos por partes. Os fiscais são seres humanos, iguais a você, inclusive na honestidade. São convocados a comparecer ao frigorífico a partir da madrugada, têm que se deslocar, alimentar, descansar, etc. E o governo federal nunca alocou recursos orçamentários suficientes para garantir o contingente necessário nem os equipamentos compatíveis com as necessidades de atuação em cada frigorífico, e condições adequadas de trabalho, com um mínimo de conforto, dentro do frigorífico. O frigorífico vê tudo isso, e oferece “ajuda”, semelhante à que proporciona aos seus empregados, ou um pouco mais, dependendo da receptividade. Entra ano e sai ano, nessa mesma situação. E os fiscais ainda têm que administrar pressões para não serem tão rigorosos nos laudos.  Se endurecer, está sujeito a reações como uma transferência para outra cidade. A grande maioria resiste e trabalha com dignidade. Enquanto isso, nos Estados Unidos, os fiscais são instruídos a sequer conversar com funcionários dos frigoríficos, e se comunicam basicamente via meios eletrônicos, ou seja, com transparência e acompanhamento por diversas instâncias burocráticas.

TEXTO 3 – Carne, ativo forte e volátil
A imagem institucional e a construção de reputação são temas que precisam de constante atenção, afinal, como disse o investidor e filantropo americano Warren Buffet: “são necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la.”
As reações em cadeia dirigidas aos frigoríficos e à Polícia Federal na condução da Operação Carne Fraca são exemplos de como a imagem e a reputação de uma marca podem ser voláteis. Desde a deflagração das investigações da Lava Jato, a PF vinha ostentando altos índices de aprovação popular. Nos últimos dias, a instituição viu-se no centro da polêmica e precisou dar muitas explicações sobre os procedimentos adotados durante a investigação e o modo de divulgá-la.
A conhecida frase de Warren Buffet parece ter sido escrita especificamente para este episódio: ”São necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”. De uma hora para outra os ventos mudam e a crise chega, com sérios danos ao ativo de imagem de órgãos e carreiras profissionais públicas e privadas.
A questão em foco aqui não é analisar se a PF errou ou exagerou na dimensão e forma de divulgar o escândalo, mas usar o episódio como exemplo de que a imagem institucional e a construção de reputação são temas que precisam de constante atenção.
A Operação Carne Fraca teve enorme repercussão na imprensa internacional, vasto impacto na imagem do Brasil no exterior, além de forte impacto nas exportações brasileiras.
Pesquisa Deloitte feita em 2015 com 300 executivos brasileiros já apontava os efeitos econômicos: crise de imagem tem impacto direto no faturamento das empresas. Segundo o levantamento, 41% dos que enfrentaram essas situações notaram queda nas receitas e perda no valor de marcas.  E 87% dos entrevistados disseram que ter a reputação da empresa ou da marca manchada é o pior pesadelo. Para eles, reputação é tão ou mais importante do que outros fatores de risco que afetam a empresa.
Chama a atenção que, na Operação Carne Fraca, nenhum dos personagens envolvidos deixou de ter um impacto negativo em sua imagem. Para o governo, a operação não “poderia alcançar a dimensão que está alcançando”. Foi classificada pelo presidente Michel Temer como “um pequeno incidente”. Depois, ele emendou: “Não vou falar pequeno, porque é grave”.
Deparar-se com uma crise de reputação é um pesadelo do qual nenhuma instituição está livre. A melhor conduta organizacional é estar preparado com um plano de ação preventivo e de tratamento antecipado. Assumir o controle dos riscos, antecipar riscos, analisar cenários e administrar o processo são questões de responsabilidade institucional, de todas as áreas da organização, inclusive e essencialmente do área de comunicação.
Superar uma crise de imagem é equação que requer controle emocional, planejamento e ação coordenada. E uma boa maneira de começar tudo isso é com o exercício de antecipar todos os riscos do negócio.

TEXTO 4 – Quem ganha com o escândalo da carne e por que o Brasil ainda pode reverter a crise
Enquanto o Brasil tenta conter os prejuízos no mercado internacional em meio às suspensões de importação de carne por causa do escândalo de adulteração e corrupção no setor, outros países enxergam o fato como oportunidade. Grandes produtores de carne, como Estados Unidos e Austrália, estão de olho em mercados em que Brasil tinha força, como a China e a União Europeia.
Especialistas, ainda assim, dizem acreditar que o Brasil tenha uma vantagem: outros países terão dificuldade de suprir a demanda de um dos maiores exportadores de carne do mundo.
A indústria da carne brasileira exporta o equivalente a US$ 12 bilhões por ano, de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Só de carne bovina foram gerados US$ 5,5 bilhões, com as 1,4 milhão de toneladas enviadas a 150 países em 2016, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
O maior comprador é Hong Kong - região administrativa especial da China -, que importou 330 mil toneladas, gerando US$ 1,1 bilhão para o Brasil.
A proximidade geográfica com a China - segundo maior importador de carne brasileira - pode dar vantagens à Austrália, enquanto os Estados Unidos miram os países europeus. A estimativa da AEB é que o Brasil tenha prejuízos de até US$ 2 bilhões este ano no mercado internacional, influenciado tanto pelas restrições como por uma provável queda do preço da carne brasileira.
O preço da carne brasileira já era relativamente baixo, segundo Castro. Os preços de frango, carne bovina e suína tinham recuado, em média, 25% entre 2011 e 2016. No último ano, os frigoríficos brasileiros vinham conseguindo vender a preços melhores, com aumento de 40% no preço da carne suína, 20% do frango e 10% da carne bovina.
O que pode salvar o mercado brasileiro é a dificuldade de outros países de produzir a quantidade que o Brasil hoje exporta. "O Brasil é o maior produtor de carne de frango e de longe o maior exportador, então acho improvável que alguém consiga substituí-lo", afirmou à BBC Brasil Liz Murphy, CEO da Associação Internacional de Comércio de Carnes (IMTA, na sigla em inglês). Além disso, países exportadores enfrentam seus próprios desafios para competir internacionalmente. A Austrália, segundo maior exportador de carne bovina, recupera-se de uma forte seca no último ano, que afetou rebanhos e elevou os preços do seu produto.
Qual pode ser o impacto do escândalo da carne na economia brasileira?
A intenção é expandir a atuação no mercado europeu, especialistas afirmaram ao AgriLand, um portal de notícias irlandês especializado em agricultura. "A Irlanda sempre pressionou por barreiras à produção", acrescentou Castro. "Mas o problema deles é o alto custo dos produtos."
"Se a carne brasileira continuar suspensa, isso pode aumentar o retorno do país", concluiu Williams, ponderando que a situação ainda está nebulosa demais para se prever a movimentação dos mercados.
Isso significa que as consequências da crise vão depender de como o Brasil irá lidar - e comunicar - o combate à corrupção da carne.
Ou seja, os especialistas consultados pela BBC Brasil concordam que as denúncias de propinas a fiscais e de adulteração de carne são gravíssimas e que o escândalo tem um potencial de danos sem precedentes à imagem brasileira nesse mercado internacional.

TEXTO 5 – Governo anuncia primeira vitória na crise da carne
  Passados oito dias desde a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que abalou as exportações brasileiras, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, anunciou no sábado (25) que a China voltará a importar carne do Brasil sem restrição. Os chineses barraram a entrada dos contêineres brasileiros em seus portos em reação à operação da PF. A investigação levantou suspeitas sobre as condições sanitárias de 21 frigoríficos, incluindo um da Seara e outro da BRF (a dona das marcas Sadia e Perdigão). A PF afirma que uma quadrilha de ao menos oito fiscais do Ministério da Agricultura no Paraná cobrava propina para afrouxar a inspeção sanitária. Aceitavam até peças de carne nobre como pagamento. O inquérito também apontou irregularidades graves na manipulação de alimentos em três frigoríficos paranaenses: o Peccin Agroindustrial usou carne podre na produção de salsichas e linguiças, o Larissa utilizou carne vencida havia três meses e o Souza Ramos colocou frango nas salsichas de peru destinadas à merenda escolar.
O governo federal reclama que a PF generalizou as acusações para toda a produção de carne brasileira, atingindo os grandes exportadores. O mercado internacional reagiu mal à divulgação do inquérito da PF. A União Europeia, o maior importador do Brasil, barrou a compra de produtos dos 21 frigoríficos investigados pela PF. Segundo consumidor, a China paralisou o desembaraço aduaneiro e Hong Kong, o terceiro no ranking, determinou a suspensão temporária das importações e o recall de produtos provenientes dos 21 frigoríficos. As importações desses três mercados somaram US$ 4,81 bilhões em 2016.
Para consertar o estrago, Maggi começou um trabalho de "garoto-propaganda" da carne brasileira no exterior. Na quinta-feira (23), o ministro visitou um frigorífico em Goiás acompanhado de jornalistas chineses. "O Ministério da Agricultura, o Itamaraty e a rede de embaixadas do Brasil no exterior trabalharam incansavelmente", afirmou Maggi, por meio de nota, ao anunciar que a China reabrirá seu mercado. Os chineses mantêm suspensas a compra de produções da unidade da Seara no Paraná, sob investigação da PF. O funcionário da empresa Flavio Cassou foi preso acusado de pagar propina a fiscais em troca de certificados para exportação. A Seara, que pertence ao grupo JBS, nega irregularidades.
Na tarde do sábado (25), o presidente Michel Temer afirmou que o Egito e o Chile também "normalizaram as importações de carne do Brasil após receber esclarecimentos e informações técnicas". Os mercados egípcio e chileno são, respectivamente, o oitavo e o décimo consumidores do Brasil, de quem compraram mais de US$ 1,1 bilhão em 2016. O governo comprovou que a produção de frango e bovinos está de acordo com as leis islâmicas do Egito, diz nota assinada por Temer e Maggi. O Chile manterá restrição apenas para os 21 frigoríficos sob investigação.
O desfecho da Operação Carne Fraca é o passo decisivo para restaurar totalmente a credibilidade das exportações. No dia 17 de março, a PF cumpriu 186 mandados de busca e apreensão em frigoríficos, escritórios, laboratórios, nas casas de suspeitos e até no Ministério da Agricultura. Tomou o depoimento de 81 pessoas conduzidas à delegacia e depois liberadas. Há 26 presos preventivamente. É um gigantesco manancial para obter provas da corrupção de fiscais, que fecharam os olhos às irregularidades sanitárias, e também para esclarecer de vez as suspeitas levantadas sobre a qualidade da carne nos frigoríficos investigados. Não pode restar dúvida.

Aula 04/2017 - Apropriação Cultural

TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Jovem é repreendida por usar turbante e levanta debate na internet
A jovem Thauane Cordeiro fez um post na sua página no Facebook em que questionou a "apropriação cultural" --a adoção de alguns elementos de uma cultura por um grupo cultural diferente.
Ela conta que foi repreendida por outras mulheres, pois estava usando um turbante. No entanto, Thauane tem câncer e estava com o acessório, que é típico da cultura afro, para disfarçar a queda dos fios.
Leia trecho do relato:
"Vou contar o que houve ontem, para entenderem o porquê de eu estar brava com esse lance de apropriação cultural:
Eu estava na estação com o turbante toda linda, me sentindo diva. E eu comecei a reparar que tinha bastante mulheres negras, lindas aliás, que estavam me olhando torto, tipo 'olha lá a branquinha se apropriando da nossa cultura'. Enfim, veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante, porque eu era branca. Tirei o turbante e falei 'tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus.', Peguei e saí e ela ficou com cara de tacho."
Ao fim do relato, postado no dia 4 de fevereiro, ela ainda colocou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. Até o momento, seu post recebeu 62 mil curtidas e foi compartilhado mais de 20 mil vezes. O episódio aconteceu em Curitiba.

TEXTO 2 – Apropriação cultural é racismo?
Em 2015, o estopim foi o penteado com dreadlocks, tradicionalmente associado à cultura negra, usado pelas celebridades americanas Miley Cyrus e Kylie Jenner, ambas brancas. Em 2016, foi um baile de Carnaval, em São Paulo, em homenagem à África. Em 2017, foi uma estudante paranaense e branca que disfarçou sua queda de cabelos, consequência de um tratamento contra leucemia, com um turbante. A discussão sobre apropriação cultural tornou-se tão recorrente quanto inflamada. Quando uma manifestação cultural pode ser considerada própria de um grupo? Quando usar elementos tradicionais de outro grupo é um desrespeito? Quando é uma manifestação de apoio? Quando é um gesto desinteressado, sem conotações políticas? Faz diferença se esse grupo luta por inclusão?
Tahuane Cordeiro, a estudante paranaense que se disse hostilizada no metrô de São Paulo, afirma que seu gesto de enrolar um pano na cabeça não tinha nenhuma intenção política. “Estava na estação com o turbante, toda linda, me sentindo diva. Comecei a reparar que mulheres negras, lindas aliás, estavam me olhando torto. Veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante porque eu era branca. Tirei o turbante e falei ‘tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus’”, disse, pelo Facebook, em uma mensagem curtida 140 mil vezes. Superexposta, Tahuane tornou-se alvo da raiva e da falta de argumentos das redes sociais. “Tô ficando assustada com a quantidade de hater”, disse.
A discussão sobre se apropriação cultural representa racismo tornou-se tão recorrente quanto inflamada
O pano de fundo do debate sobre apropriação cultural é uma discussão sobre racismo. Para a cantora Leci Brandão, a apropriação é desrespeitosa por se apropriar de símbolos da cultura negra, sem levar junto as mensagens. “O problema não está na difusão do produto cultural tradicional, mas na eliminação da população negra desse processo.” Para o antropólogo Antonio Risério, o debate no Brasil é mera cópia daquele que ocorre nos Estados Unidos – descabido por supor que, aqui, a divisão entre brancos e negros é profunda como a de lá. “Nada do que chegou ao Brasil permaneceu ‘puro’”, afirma. “Esta baboseira de ‘apropriação cultural’ é coisa de quem quer implantar apartheids em nossos trópicos, em vez de se lançar às marés das misturas.”

TEXTO 3 – “É baboseira querer isolar comunidades”, diz Antonio Risério
Parte da atual cultura universitária, entrincheirada nas “humanidades” e produzindo efeitos na esfera do “ativismo”, resolveu fazer uma dupla abolição. De uma parte, aboliu as classes sociais: agora, só existem sexo e etnia. De outra, no rastro de uma velha fantasia racista, aboliu os mestiços. E estes “abolicionistas” são autoritários, “fascistas de esquerda”: quem discorda da tese merece o fogo do inferno.
Isso aconteceu nos Estados Unidos, claro. Mas, graças ao capachismo mental de nosso sistema universitário, vai se reproduzindo no Brasil. Como se fosse possível substituir nossa experiência histórica e social pela experiência histórica e social dos americanos. É o ménage à trois do escapismo, da ignorância e da alienação colonizada.
>> Apropriação cultural é racismo?
A jovem filósofa Bruna Frascolla, tradutora de David Hume, foi direto ao assunto: “Tenho colegas que já andavam problematizando turbante porque nos Estados Unidos se problematiza turbante. A fórmula é a seguinte: sempre que vocês virem um jovem que se pretenda progressista afirmando alguma coisa digna do kkk (risada-padrão de deboche na internet) ou das mulheres de Aristófanes, isso vem de modismos acadêmicos dos Estados Unidos. São os estudos de questões sociais feitos em departamentos de literatura (sim!), sem qualquer compromisso com análise concreta e rigorosa de dados. Os ‘gender studies’, os ‘postcolonial studies’ e a caçula ‘queer theory’. Tudo consiste em pegar o antagonismo de classes do marxismo, a dinâmica opressor-oprimido, e transferir para etnia e sexo”.
No campo racial, eles dividem o mundo drasticamente entre brancos e pretos. (Os Estados Unidos são uma anomalia planetária: o único país do mundo que não reconhece a existência de mestiços.) Misturas são miragens, ilusões de ótica. Nesse apartheid, branco usa coisa de branco; preto, coisa de preto. “Brancos e negros, assim como homens e mulheres, são fundamentalmente diferentes e cabe ouvir o oprimido sem questioná-lo.” Todos no reino da filantropia ideológica, portanto.
Os Estados Unidos são uma nação de fraca capacidade integradora e alto poder destrutivo. Em sua obra Fenomenologia do brasileiro, Vilém Flusser, judeu nascido na Praga de Kafka, já falava da insularização local das etnias, que viria a produzir uma série compartimentada de nipo, ítalo ou afrodescendentes. Ao lado disso, o poder destrutivo. O exemplo clássico está no assassinato espiritual do africano nos Estados Unidos.
Sob a pressão do poder puritano branco, as religiões negras foram destruídas naquele país. Por isso, Martin Luther (Martinho Lutero, note-se) King foi um pastor protestante e não um babalaô, senhor das práticas divinatórias de Ifá. Se tivesse acontecido aqui e em Cuba o que aconteceu nos Estados Unidos e na Argentina, não teríamos um só orixá vivo, hoje, em toda a extensão continental das Américas.
Para dar outro exemplo, os sintagmas “black religious music” e “música religiosa negra” são linguisticamente equivalentes, mas culturalmente dessemelhantes. No primeiro caso, o que temos é o hinário protestante preto, recriação de salmos brancos. No segundo, a música sacra africana executada em nossos terreiros de candomblé, com alabês e atabaques. Lá, a destruição; entre nós, a sobrevivência. Com orixás celebrados com grande sucesso na cultura de massa. Por quê?
Porque aqui a mescla foi total. Não houve apenas o fato biológico da miscigenação, mas o reconhecimento social e cultural das misturas, que é o que define a mestiçagem. Durante séculos, nos Estados Unidos, a miscigenação foi uma prática fora da lei, inclusive com a proibição legal de casamentos interétnicos. E a mestiçagem nunca existiu. Nunca foi reconhecida como tal.
Outra coisa: mestiçagem não é sinônimo de harmonia. Tem uma forte carga de conflitos. Não se trata de idealizar nada. Mas é preciso entendê-la, ou não nos entenderemos jamais. Hoje, ao contrário, o que se quer é abolir o fenômeno. Tentar exorcizar as ambiguidades brasileiras e transformar o país num campo racial polarizado, à maneira dos Estados Unidos.
O Brasil não é um país multicultural. E nem tem como adotar a ideologia multiculturalista, com sua fantasia de isolar cada “comunidade” numa espécie qualquer de autismo antropológico. Em consequência de nossos processos histórico-culturais, o sincretismo é o traço central da dimensão simbólica de nossa existência. Temos, sim, a mestiçagem e o sincretismo, para além dos que querem agora nos obrigar a olhar o povo brasileiro pelas lentes americanas, com o horror puritano às misturas, a mixofobia anglo-saxônica, que sempre teve nojo de negro.
Combater a mestiçagem é uma tolice. Combater o sincretismo é combater o que há de mais rico na vida, que são as trocas de experiências e de signos. Mais: toda crítica que tivermos, ao processo brasileiro, deve ser feita para enriquecê-lo. Mas agora vem a PPC – a Polícia do Politicamente Correto – para empobrecer tudo, na base do fascismo travestido de progressismo? Não dá. Não queiram nos convencer de que apartheid é sinônimo de democracia. Temos de deixar esses modismos de lado – e tratar de pensar o Brasil por nossa conta e risco.

TEXTO 4 – Branco pode usar turbante?': Saiba o que é apropriação cultural
A palavra “apropriar” significa tomar para si. O termo “apropriação cultural” é um conceito da antropologia e se refere ao momento em que alguns elementos específicos de uma determinada cultura são adotados por pessoas ou um grupo cultural diferente.
Mas não é só isso. O conceito de apropriação cultural passa por uma reflexão política. Esse uso tem uma conotação negativa, especialmente quando a cultura de um grupo que foi oprimido é adotada por um grupo de uma cultura dominante.
A cultura é um universo de símbolos e as imagens e as estéticas são fruto das experiências humanas. Um turbante carrega significados mais complexos e profundos do que simplesmente ser uma vestimenta. A peça tem origem nas culturas afro-orientais. No Brasil, o turbante é um ornamento religioso no candomblé, religião brasileira criada por africanos de diferentes etnias, advindos da escravidão. Ele é usado tradicionalmente por povos da África, do Oriente Médio e da Ásia
Desde a chegada dos escravos no Brasil, ritos espirituais africanos eram proibidos pelos colonizadores portugueses. Até a década de 1930, o candomblé era perseguido pela polícia e existia na clandestinidade. Muitos adeptos da religião sofreram racismo e ainda sofrem preconceito nas ruas por usar turbantes e outros símbolos afros. Por muito tempo o turbante foi visto de forma pejorativa como “coisa de macumbeiro”. Todo esse contexto faz com que um negro, ao usar um turbante hoje, use-o não apenas como um item estético, mas também como um símbolo de resistência, afirmação e orgulho da ancestralidade.
E quando o turbante é usado por um não negro? A princípio não há problema. A liberdade individual é uma premissa de uma sociedade democrática. A pessoa pode levar o modo de vida que desejar e vestir o que quiser. Mas será que esse uso é ético? Será que ela não está refletindo uma relação de poder?
O poeta negro B. Easy publicou em sua conta no Twitter a frase: A cultura negra é popular, pessoas negras não são. A apropriação cultural esquece as práticas rituais e torna invisíveis as lutas desses povos. Pessoas começam a usar roupas e acessórios sem saber seus significados e origens. Ou seja, dá margem para que elementos de uma cultura sejam banalizados, estereotipados ou simplesmente reduzidos a “exóticos”.
Recentemente, a moda se apropriou dos turbantes com estampas étnicas. Modelos e atrizes brancas posaram para editoriais em revistas de moda. Adotado por uma determinada elite, o turbante se tornou estiloso. Por que os modelos não eram negros? Como fica a cultura negra? Possivelmente esquecida ou ainda esvaziada de sentido.
Vamos voltar aos símbolos. Por que cultura dominante? Quando uma cultura é dominante, ela se coloca como o padrão aceitável. Por exemplo, no período da Roma Antiga, os romanos invadiam regiões da Europa e pouco a pouco o idioma latim foi imposto aos povos nativos. Quando um símbolo de um povo marginalizado é tomado pelo elemento dominante, isso se torna uma relação de privilégio de uma cultura em relação à outra. Trata-se de um processo que envolve desigualdade e desrespeito.
Depois das Grandes Navegações, no século 15, o contato entre diferentes povos se intensificou e países europeus criaram colônias nos territórios do “Novo Mundo”. A partir da colonização europeia, diversas culturas foram gradativamente subjugadas e incorporadas ao âmbito da visão de mundo ocidental. A diáspora de povos como o povo negro, o povo judeu e o povo cigano também contribuiu para esse fluxo. As culturas dos outros (não ocidentais) eram consideradas exóticas, selvagens, inferiores e muitas vezes reprimidas. Ao mesmo tempo, muitas culturas acabam assimilando sem maiores conflitos os “traços” vindos de outros povos (sincretismo) formando uma nova identidade social. A cultura é viva e ela está sempre em movimento.
O sincretismo aconteceu em diversos momentos da história. No Brasil, os índios Kayapós possuem cantos tradicionais com origem em outros povos indígenas. Na Amazônia, ribeirinhos usam redes (de origem indígena) para dormir. Outro exemplo: os colonizadores portugueses levaram a mandioca, raiz típica da culinária indígena, para Angola. Hoje a mandioca é muito comum no país africano. (...)
Mas qual o limite entre o elogio a uma cultura e a apropriação e esvaziamento de significado dela?
Existem pessoas que entendem que não existe problema em consumir bens culturais de outros povos, tudo isso são traços da individualidade e da busca de estilos de vida. Existem ainda aqueles que entendem que ao entender que uma determinada prática cultural só deve ser exercida pelo grupo que o legitima. Seria isso autoritarismo ou afirmação?
A discussão é polêmica e repleta de perguntas. Brancos devem cantar rap? Ocidentais podem praticar o xamanismo indígena ou fazer a yoga indiana? O maracatu deve ser um produto de carnaval? É complexo definir o momento em que o uso de símbolos e costumes de um povo torna-se uma ofensa ou sinal de perigo.
O problema parece estar no ato de consumir sem a reflexão ou sem o devido respeito, o que esvazia o sentido. E quando esse comportamento se choca com a tradição de um povo, as coisas começam a ficar mais complicadas. De onde esse artefato veio? Que história ele conta? Que povo ele representa? Não é o ato de usar um turbante que ofendem esses grupos, mas o fato de usar o turbante sem ter consciência de seu valor simbólico para as comunidades tradicionais. É mais ofensivo ainda utilizar um símbolo para fins econômicos e que não tragam retorno para a comunidade “de origem”.
Um exemplo é a polêmica da marca Havaianas. Ela criou uma coleção de sandálias que leva ilustrações da etnia Yawalapiti, um dos povos indígenas do Alto Xingu, no estado do Mato Grosso. Os grafismos Yawalapiti são considerados propriedade coletiva e não um desenho de autoria de uma pessoa só. O contrato da marca foi feito com uma pessoa da etnia, mas não teve a autorização dos caciques para autorizar a reprodução dos desenhos para uso comercial. Quem é dono de um conhecimento coletivo e de uma cultura imaterial?

TEXTO 5 – Algumas imagens
  


domingo, 5 de março de 2017

Aula 03/2017 - Feminismo e liberdade


MOVIMENTO FEMINISTA: O QUE BUSCA?
O movimento feminista traz em sua trajetória grandes conquistas que muitas vezes passam despercebidas aos nosso olhos. Porém, a caminhada ainda é grande quando se pensa em respeito aos direitos da mulher e igualdade entre os gêneros.
Algumas bandeiras em particular do movimento merecem grande atenção, como a violência contra a mulher, a diferença salarial entre gêneros, pouca inserção feminina no meio político, casos de assédio e preconceito contra a mulher, necessidade de exames preventivos e maior informação, acesso a métodos contraceptivos gratuitos e amamentação em lugares públicos.
Uma grande parte do movimento feminista luta também pela descriminalização do aborto, entendendo que muitas mulheres perdem a vida, submetendo-se a procedimentos clandestinos executados por pessoas que poucas vezes possuem formação profissional adequada para realizá-los.
Analisando o ordenamento jurídico atual, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi uma das grandes vitórias do movimento feminista. O nome homenageia a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após anos de violência doméstica, a lei visa punir de forma mais efetiva os homens – normalmente companheiros –  agressores no âmbito familiar e doméstico, e contribuiu para a diminuição em 10% sobre os casos de assassinatos contra mulheres, segundo dados do IPEA de 2015. Entre a punição para agressão física, se enquadram violência psicológica, sexual, patrimonial, além de proteção à mulher denunciante.
Durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, foi sancionada a Lei 13.104/15, que torna qualificado o homicídio quando realizado contra mulheres em razão do gênero, e o incluindo no rol de crimes hediondos.
Em seu artigo 5, a CF prevê que homens e mulheres são iguais em relação a direitos e obrigações, uma conquista de imenso valor quando comparada ao Código Civil de 1916, que determinava a mulher como incapaz para realizar diversos atos sem autorização do marido.
Outro grande avanço conquistado pelo movimento feminista, foi o direito à licença maternidade remunerada, previsto na CF em seu artigo 7, inciso XVIII, recentemente alterado de 120 para 180 dias.

Material da aula

TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Não sei o que meus peitos tem a ver com isso', diz Emma Watson sobre feminismo
Conhecida por seu engajamento com causas feministas, a atriz britânica Emma Watson rebateu críticas sobre um ensaio recente para a revista "Vanity Fair". Capa da publicação americana, a estrela do aguardado longa-metragem "A Bela e a Fera" posou com os seios parcialmente expostos em uma das fotos da produção. Desde então, a atriz foi acusada de promover a objetificação do corpo feminino, em contradição com a sua militância no feminismo.
"O feminismo é sobre dar escolha às mulheres. O feminismo não é um bastão com o qual se bate em outras mulheres. É sobre liberdade, é sobre liberação e sobre igualdade. Eu realmente não sei o que os meus peitos têm a ver com isso. É muito confuso", desabafou a atriz em uma entrevista à "BBC" ao lado do colega Dan Stevens.
Co-protagonista de "A Bela e a Fera", Dan Stevens tentou brincar com a situação:
"O que as pessoas estão dizendo sobre você?", perguntou.
"Estão dizendo que eu não podia ser feminista...", explicou Emma.
"E ter peitos?", interrompeu o ator.
"E ter peitos", confirmou a ex-intérprete de Hermione Granger.
Na rede, houve quem saísse em defesa de Emma Watson sobre o assunto.
"Se você acha que Emma Watson não pode mostrar um pouco de pele na "Vanity Fair" e ainda lutar pela equidade de gênero você perdeu completamente o ponto da coisa. Ver o corpo positivamente e lutar por direitos iguais não são coisas excludentes. Mulheres fortes em uma posição de poder e influência podem ser seres sexuais assim como uma força de bem para o movimento. Parabéns a Emma Watson por sempre desafiar os limites da caixa em que as pessoas tentam trancá-la", escreveu um fã no Instagram.

TEXTO 2 – Elas estão transformando o mundo
Uma nova geração de mulheres surge entre as adolescentes que defendem a liberdade de ser e fazer o que quiserem, quebrando padrões de comportamento machistas e traçando um novo rumo do feminismo no Brasil.
Aos 16 anos, Stéphanie Gonçalves Pedroso Ribeiro já tem algumas certezas. Uma delas é que não quer casar, nem ter filhos. Sobrancelhas franzem sempre que ela comenta sua decisão, mas a adolescente está convicta. Solene, anuncia que seu principal objetivo é dedicar-se à carreira de advogada. Mesma profissão da mãe, a procuradora Margarete Pedroso, 46 anos, com quem se iniciou nas conversas sobre o papel da mulher na sociedade, o medo de andar sozinha nas ruas e o tipo de roupa que é permitido ou não usar sem julgamento. Stéphanie é uma das fundadoras do coletivo feminista Tuíra, do Colégio Bandeirantes, em São Paulo. No ano passado, ela e as colegas perceberam que muitas meninas tinham interesse em discutir o machismo na escola. Nasceu, então, a ideia de montar um grupo para resolver problemas do cotidiano. Elas se reúnem para colar cartazes pelos corredores com alertas sobre relacionamento abusivo ou com frases machistas que já escutaram. “Isso me libertou, mas, ao mesmo tempo, é angustiante perceber tudo que as mulheres enfrentam diariamente.” A jovem faz parte de uma geração que descobriu o feminismo muito cedo e encontrou novas formas de lutar por seus direitos. Meninas como ela começam a compreender no início da adolescência que o tamanho da saia não as torna responsáveis por nenhum tipo de violência machista. Essas garotas redefiniram suas prioridades baseadas em anseios pessoais e não em padrões sociais estabelecidos historicamente. “Podemos ser mães, mas podemos não ser. Antes éramos criadas com apenas uma possibilidade, mas hoje há vários caminhos”, diz a estudante.
Por que elas lutam?
Igualdade entre os sexos é a mais importante das vertentes do feminismo. Mas não é a única. Confira:
• Liberdade sexual. Viver a sexualidade sem sofrer preconceitos seja qual for a orientação
• Aceitação e amor pelo próprio corpo sem a interferência da sociedade. Entender que o padrão de beleza imposto leva mulheres e garotas comuns a recorrerem a extremos não saudáveis para alcançá-lo
• Escolher a profissão que deseja seguir sem que o mercado imponha o que é trabalho para homem e o que é para mulher
• Poder de escolha sem que a sociedade, família ou homens interfiram. Seja para ser dona de casa, trabalhar fora, sair sozinha ou usar a roupa que bem entender
• Ter a opção de formar uma família ou não ser descriminada pela sociedade por ser mulher e não querer ser mãe
“O que se vê são meninas mais cientes do direito à liberdade e à diversidade, combativas e questionadoras”, afirma a antropóloga Beatriz Accioly Lins, pesquisadora em gênero e violência contra a mulher da Universidade de São Paulo (USP). Para Beatriz, se comparado o movimento das jovens hoje ao feminismo de décadas atrás, é possível dizer que há tanto continuidade quanto novidade. “Essas meninas são herdeiras de uma luta histórica e, se elas podem demandar o fim do assédio nas ruas e a possibilidade de exercer a sexualidade sem ser condenadas, é porque muitas mulheres já lutaram para que se chegasse nesse ponto.” Além disso, essas garotas nasceram e cresceram em um momento político e social em que as mulheres possuíam – ou lutavam por possuir – mais direitos. “Em 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha, mas a discussão começou no final dos anos 1990 e se estendeu por mais de uma década. Esse debate na esfera pública chegou a um número muito grande de brasileiros”, afirma a advogada Marina Ganzarolli, especialista em direitos das mulheres. Outras pequenas conquistas aconteceram, como a alteração do Código Civil, em 2005, que extinguia a expressão “mulher honesta”, que só tipificava um crime se comprovada a honestidade da vítima.

TEXTO 3 – Feminismo, como começou?
Movimento surgiu na Revolução Francesa
É possível encontrar na historiografia dos séculos 15 e 18 o aparecimento de temas dedicados à denúncia da condição de opressão das mulheres, tendo como principais fatores a superioridade e a dominação imposta pelos homens.
Porém, ainda não se pode atribuir aos mais variados escritos que surgiram nesse período o rótulo ou o conceito de "feminista". Por outro lado, os estudiosos do tema creditam ao contexto social e político da Revolução Francesa (1789) - e, portanto, do Iluminismo - o surgimento do feminismo moderno.
Em 1791, por exemplo, a revolucionária Olímpia de Gouges compôs uma célebre declaração, proclamando que a mulher possuía direitos naturais idênticos aos dos homens e que, por essa razão, tinha o direito de participar, direta ou indiretamente, da formulação das leis e da política em geral. Embora tenha sido rejeitada pela Convenção, a declaração de Gouges é o símbolo mais representativo do feminismo racionalista e democrático que reivindicava igualdade política entre os gêneros masculino e feminino.
Feminismo emancipacionista
No século 19, o feminismo teve um novo recomeço, em um contexto diferente: o da sociedade liberal europeia que emergia.
O núcleo irradiador do feminismo emancipacionista foi a Inglaterra, e a luta centrava-se na obtenção de igualdade jurídica (direito de voto, de instrução, de exercer uma profissão ou poder trabalhar). O aparecimento do feminismo emancipacionista está associado às contradições que permeavam a sociedade liberal da época, onde as leis em vigor formalizavam juridicamente as diferenças entre os sexos masculino e feminino.
Os escritos do pensador inglês Stuart Mill ganharam destaque ao propor o princípio geral de emancipação das mulheres a partir da abolição das desigualdades no núcleo familiar, da admissão das mulheres em todos os postos de trabalho e da oferta de instrução educacional do mesmo nível que estava ao alcance dos homens.
Feminismo contemporâneo
O movimento feminista contemporâneo surgiu nos Estados Unidos, na segunda metade da década de 1960, e se alastrou para diversos países industrializados entre 1968 e 1977.
A reivindicação central do movimento feminista contemporâneo é a luta pela "libertação" da mulher. O termo "libertação" deve ser entendido como uma afirmação da diferença da mulher, sobretudo em termos de alteridade. Com base nessa ideia, o movimento feminista busca novos valores, que possam auxiliar ou promover a transformação das relações sociais ou da sociedade como um todo.
Portanto, o surgimento do movimento feminista contemporâneo representou um divisor de águas e, ao mesmo tempo, a própria superação dos movimentos sociais emancipatórios, cuja reivindicação central estava baseada na luta pela igualdade (jurídica, política e econômica).
A luta pela "libertação" da mulher, que constitui o núcleo da doutrina feminista contemporânea, está baseada na denúncia da existência de uma opressão característica, com raízes profundas, que atinge todas as mulheres, pertencentes a diversas culturas, classes sociais, sistemas econômicos e políticos. E, também, na ideia de que essa opressão persiste, apesar da conquista dos direitos de igualdade (jurídicos, políticos e econômicos).
Desse modo, o movimento feminista contemporâneo atua com base numa perspectiva de superação das relações conflituosas entre os gêneros masculino e feminino, recusando, portanto, o estigma ou noção de "inferioridade" (ou desigualdade natural).
Entre o final da década de 1970 e início da de 1980, porém, o movimento feminista entrou em declínio, em razão das profundas transformações (sociais, políticas e econômicas) que atingiram as sociedades. Crises econômicas, o surgimento do narcotráfico, da violência e do terrorismo, com sérias ameaças à coesão social, foram temas que ganharam maior atenção do público e da cena política.
Não obstante, o feminismo avançou consideravelmente a partir da década de 1990, retomando a luta reivindicativa com base em novas demandas sociais. Por que o Dia Internacional da Mulher é comemorado em 8 de março?
Não é feriado, como o Dia do Trabalho, mas o Dia Internacional da Mulher tem alta carga simbólica. A cada ano, as conquistas e as dificuldades femininas, na economia, na política, na saúde, ganham análises por conta da data de 8 de março
6 perguntas

TEXTO 4 – Mulheres bordam um novo feminismo
Com agulha e linha nas mãos, elas “bordam empoderamento” e desfazem a linha de pensamento tão difundida nas gerações passadas de que o bordado é trabalho de “mulher pronta para casar”. Na semana em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, as bordadeiras da nova geração quebram esse paradigma e mostram que, para bordar, elas não precisam ser mulheres com vários “predicados”. Engajadas, elas são sujeitas de suas próprias história e usam a arte para falar de feminismo, política e cultura pop e discutir questões de gêneros.
Com a inserção da mulher no mercado de trabalho na década de 60, o bordado foi ficando cada vez mais a cargo das gerações mais antigas. As mulheres preferiam sair para trabalhar, porque a costura as restringia a ficar em casa, e isso criou um vácuo na difusão desse trabalho manual. No entanto, recentemente, a arte foi redescoberta pelas novas gerações, e a carga de opressão que havia nas agulhas e nos retroses de linha se subverteu e ganhou novo significado.
“Antes, a mulher tinha que bordar para servir ao marido e aos filhos, geralmente bordavam para fazer seu enxoval. Atualmente, ela (a atividade) se transformou em uma fonte de renda e em uma forma de difundir o feminismo”, considera a estudante Ana Luisa Tagani Mayrink, 21.
Muitas meninas da nova geração de bordadeiras aprenderam a arte com as avós e usam seus desenhos como uma forma de luta. “O bordado empodera as mulheres de várias formas. Por meio dele, nós podemos nos retratar da forma que nos vemos, e não de um ponto de vista masculino. Eu também costumo colocar minha visão política no que bordo. Ele (o bordado) se tornou uma forma de expressão”, explica Samara Horta, 27.
Samara criou um grupo no Facebook chamado “Las Bordadeiras”, que já tem cerca de 4.000 mulheres de todo o Brasil. Ela também realiza oficinas de bordado em Belo Horizonte e incentiva as meninas a colocarem suas questões no que estão bordando. Por meio do grupo, as participantes dividem experiências com arte, técnicas e materiais e aproveitam o espaço para discutir questões relacionadas ao feminismo.
A maioria das meninas conta que começou o trabalho para presentear amigos, porém logo ele se transformou em negócio. “Eu comecei bordando frases de músicas e desenhos ligados a cultura pop e ia postando no meu Facebook. As pessoas foram vendo e gostando e começaram a encomendar. Atualmente, participo de algumas feiras e acho a troca de experiências com outras pessoas que bordam muito interessante”, conta a jornalista Nina Rocha Campos, 24, que assina a marca Bordei pra você.
A professora paulista de história da arte Luisa Oliveira explica que as mulheres sempre se valeram das expressões artísticas para se empoderarem. “Um ótimo exemplo é a pintora Frida Kahlo, que pintou vários autorretratos. O que as mulheres fazem atualmente é misturar o trabalho manual com a arte, e essa é uma ótima maneira de expressar a forma como elas veem o mundo e de difundir o feminismo”, conclui a especialista.

TEXTO 5 – O governo 'feminista' da Suécia está funcionando?
O governo da Suécia se descreve como "O primeiro governo feminista do mundo". Mas como a agenda em prol das mulheres está sendo colocada em prática? David Crouch, jornalista baseado em Gotemburgo, a segunda maior cidade do país, investigou a situação.
Dezenas de mulheres de reuniram na praça central de Estocolmo, no dia 15 de fevereiro, para formarem o horário 16:00.
Representantes de grupos de defesa de direitos das mulheres, de partidos políticos e de sindicatos, elas queriam chamar atenção para a desigualdade entre os salários de homens e mulheres na Suécia.
Essa diferença significaria, por exemplo, que a última hora da jornada diária, entre 16h e 17h, seria cumprida por elas de graça - daí o horário formado no protesto. "Para se ter igualdade de gênero, é preciso mudar o equilíbrio de poder, e isso leva tempo. Mas até eu estou impaciente", disse a ministra da Igualdade, Asa Regner, durante o protesto.
A situação vem melhorando sob o "governo feminista", instalado a partir do momento em que a coalizão de centro-esquerda formada entre o Partido Social Democrata Sueco e o Partido Verde assumiu o poder, em 2014. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, dizem os críticos.
Nesta semana, houve muitas críticas após, em uma visita para tratar de relações comerciais, integrantes da delegação sueca serem instruídas a cumprir a lei iraniana que determina que mulheres devem cobrir a cabeça.
No ano passado, um relatório de uma coalização de ONGs condenou a Suécia por continuar a exportar armas para países que violam direitos de mulheres.
Isso seria "totalmente incompatível" com sua política feminista, assim como a decisão do governo de dar fim ao direito de refugiados de se reunirem novamente com seus familiares, deixando para trás mulheres e meninas em países assolados pela guerra.
Apesar da imagem da sociedade sueca perante ao mundo como igualitária, em que mulheres desfrutam de um status elevado, ainda há muita desigualdade. O país é lider no mundo industrializado em termos de igualdade de gênero no setor público, segundo a Organização para Coorperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). No entanto, no setor privado, que se expandiu muito em anos recentes, homens ainda ocupam 80% dos cargos gerenciais e 94% dos postos de alto escalão. Nos conselhos editoriais de jornais, por exemplo, há três homens para cada mulher, enquanto os homens são 70% dos entrevistados ouvidos pela mídia. Em 2014, 75% dos professores universitários eram homens. E, nas ruas, muitos avaliam que os benefícios não são tão óbvios. "É bom para o governo dizer que é feminista", diz Matilda Andersson, uma cabelereira de 24 anos de Gotemburgo. "Mas não notei mudanças na minha vida. Na verdade, sinto-me menos segura nas ruas em comparação com há alguns anos." Ela destaca que trabalha em uma indústria predominantemente feminina, mas na qual os cabeleireiros "celebridades" são homens.
Foi parar nas manchetes do país a decisão de um hospital de uma pequena cidade no norte do país de fechar sua maternidade, fazendo com que mulheres tenham de dirigir 100 km para dar à luz.

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