TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Operação
Carne Fraca: o esquema podre que ronda os frigoríficos no Brasil
A Operação Carne Fraca, deflagrada no último dia 17 e que
desvendou um esquema corrupto entre fiscais e frigoríficos para burlar os
devidos controles sanitários, já é considerada a de maior envergadura da
Polícia Federal. Ela mobilizou cerca de 1.100 agentes para cumprir 309 mandados
de prisão, condução coercitiva e busca e apreensão. A operação, no entanto,
acabou recebendo críticas, precisamente, pela sua espetacularidade, que
repercutiu negativamente nas exportações de carne do Brasil sem que as
autoridades tenham sido capazes de dimensionar o alcance das irregularidades.
As 353 páginas do despacho do juiz que autorizou as prisões,
Marcos Josegrei da Silva, revelam que não há indícios de que as práticas
corruptas sejam comuns em todo o país e limita os tentáculos da trama aos
Estados de Paraná, Minas Gerais e Goiás e a 33 frigoríficos, que incluem unidades,
isso sim, das gigantes da carne JBS e BRF, donas das marcas Friboi Seara e Big
Frango e da Sadia e Perdigão, respectivamente. O juiz tampouco menciona a
existência de papelão usado para rechear o frango, como foi divulgado pela
Polícia Federal inicialmente, mas sim conta com detalhes de como fiscais e
empresários fraudavam o processo de qualidade dos alimentos e recebiam, em
troca, de grandes e pequenas quantidades de dinheiro a asinhas de frango.
O relatório, por exemplo, contempla o testemunho de uma ex-funcionária
do frigorífico Peccin que assegura que a empresa, com a aprovação dos fiscais
responsáveis do Ministério da Agricultura, reaproveitava partes de animais
mortos e usava muito menos carne do que a necessária para a elaboração de seus
produtos e a substituía por “outras substâncias”. O frigorífico ainda faria uso
de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças e mascarava os
alimentos estragados com produtos químicos como o ácido ascórbico e sórbico. O
problema, nesses casos, não é tanto a composição dessas sustâncias autorizadas
mas sim sua utilização para disfarçar carne em mau estado. Há conversas
interceptadas que falam do reaproveitamento de carne caducada três meses antes.
É notória também a cumplicidade dos fiscais em casos em que a
empresa deve dar saída a lotes infestados com salmonela, por exemplo. Essa
bactéria que pode provocar problemas gastrointestinais é motivo de várias
conversas entre servidores públicos e funcionários dos frigoríficos. Em um dos
casos, um fiscal diz a outro que com a carne com salmonela dá para fazer
mortadela.
O decorrer dos fatos relatados pelo juiz demonstra também a
facilidade com que os fiscais corruptos se desfaziam dos colegas que sim
cumpriam com a sua obrigação. Esta operação, aliás, teve seu origem dois anos
atrás a partir da denúncia de um fiscal, Daniel Teixeira, que acabou sendo
afastado do seu local de trabalho após identificar e perseguir irregularidades
em frigoríficos. Outros fiscais que colocavam travas ao fácil funcionamento das
empresas envolvidas eram alvo das conversas entre empresários e servidores que
discutiam como dar um jeito neles.
TEXTO 2 –A carne brasileira não é fraca, é "forte"
e a melhor do mundo
Não, a
afirmativa não se sustenta. Seria incoerente. O Brasil tem o maior rebanho
comercial do mundo, com mais de 80% de gado nelore adaptado, rústico, saudável
e que se alimenta basicamente de capim. A avicultura e a suinocultura operam um
modelo imbatível de integração; e cooperativas sérias e competitivas. A ração
conta com milho barato. Levamos décadas, mas superamos doenças como a febre
aftosa, peste suína clássica, gripe aviária, etc. graças a uma ação integrada e
eficaz dos pecuaristas com os órgãos oficiais federais e estaduais de defesa
agropecuária. A indústria processadora de carnes é top no mundo. O Sistema de
Inspeção Federal (SIF) é respeitado internacionalmente. Ufanismo? Se não fosse
assim, como explicar a posição de primeiro exportador mundial de carne bovina,
segundo de aves e quarto de suíno? Faturamos US$12 bilhões de dólares de venda
externas em 2016. Vendas concretizadas após o cumprimento das formalidades,
mediante a expedição de 853 mil partidas de produtos de origem animal, das
quais só 184 com desconformidades, segundo o MAPA.
É patrimônio
de causar inveja às mais poderosas economias do planeta. E tudo isso está agora
sujeito a chuvas e trovoadas por causa de 33 fiscais mancomunados com
executivos de três frigoríficos? Calma lá, não é bem assim. Eles não
conseguiriam tamanho estrago sozinhos. O buraco é mais embaixo; há mais do que
aviões de carreira nesse céu.
Ora, que a
pecuária de corte brasileira é saudável, já se sabe. Que a indústria de
processamento de carnes está entre as melhores do mundo, já se sabe. Que o
Estado brasileiro está longe dos mais eficientes do mundo, mas a inspeção é
muito boa, também já se sabe. Que o sistema político nacional induz o
deputado/senador ao papel de despachante de luxo e ter que buscar as formas
possíveis para se reeleger, também já sabemos, e com tristeza. Que a impunidade
geral e duradoura, com larga história de tolerância no Brasil, incentivando criminosos
a agirem, desinibidos, e em todas as áreas, também sabemos.
Portanto, não
se pode sacar conclusões apressadas ou enviesadas, do tipo se o Estado não
tivesse atrapalhado teria ajudado muito; isso acontece porque os fiscais não
fiscalizam; a culpa é dos políticos; a ganância dos empresários é que provoca
esse escândalo. Isso aconteceu porque os fiscais desonestos têm liberdade de
agir.
Vamos por
partes. Os fiscais são seres humanos, iguais a você, inclusive na honestidade.
São convocados a comparecer ao frigorífico a partir da madrugada, têm que se
deslocar, alimentar, descansar, etc. E o governo federal nunca alocou recursos
orçamentários suficientes para garantir o contingente necessário nem os
equipamentos compatíveis com as necessidades de atuação em cada frigorífico, e
condições adequadas de trabalho, com um mínimo de conforto, dentro do
frigorífico. O frigorífico vê tudo isso, e oferece “ajuda”, semelhante à que
proporciona aos seus empregados, ou um pouco mais, dependendo da receptividade.
Entra ano e sai ano, nessa mesma situação. E os fiscais ainda têm que
administrar pressões para não serem tão rigorosos nos laudos. Se endurecer, está sujeito a reações como uma
transferência para outra cidade. A grande maioria resiste e trabalha com
dignidade. Enquanto isso, nos Estados Unidos, os fiscais são instruídos a
sequer conversar com funcionários dos frigoríficos, e se comunicam basicamente
via meios eletrônicos, ou seja, com transparência e acompanhamento por diversas
instâncias burocráticas.
TEXTO 3 – Carne, ativo forte e volátil
A imagem institucional e a construção de reputação são temas
que precisam de constante atenção, afinal, como disse o investidor e filantropo
americano Warren Buffet: “são necessários 20 anos para construir uma reputação
e apenas cinco minutos para destruí-la.”
As reações em cadeia dirigidas aos frigoríficos e à Polícia
Federal na condução da Operação Carne Fraca são exemplos de como a imagem e a
reputação de uma marca podem ser voláteis. Desde a deflagração das
investigações da Lava Jato, a PF vinha ostentando altos índices de aprovação
popular. Nos últimos dias, a instituição viu-se no centro da polêmica e
precisou dar muitas explicações sobre os procedimentos adotados durante a
investigação e o modo de divulgá-la.
A conhecida frase de Warren Buffet parece ter sido escrita
especificamente para este episódio: ”São necessários 20 anos para construir uma
reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”. De uma hora para outra os
ventos mudam e a crise chega, com sérios danos ao ativo de imagem de órgãos e
carreiras profissionais públicas e privadas.
A questão em foco aqui não é analisar se a PF errou ou
exagerou na dimensão e forma de divulgar o escândalo, mas usar o episódio como
exemplo de que a imagem institucional e a construção de reputação são temas que
precisam de constante atenção.
A Operação Carne Fraca teve enorme repercussão na imprensa
internacional, vasto impacto na imagem do Brasil no exterior, além de forte
impacto nas exportações brasileiras.
Pesquisa Deloitte feita em 2015 com 300 executivos
brasileiros já apontava os efeitos econômicos: crise de imagem tem impacto
direto no faturamento das empresas. Segundo o levantamento, 41% dos que
enfrentaram essas situações notaram queda nas receitas e perda no valor de
marcas. E 87% dos entrevistados disseram
que ter a reputação da empresa ou da marca manchada é o pior pesadelo. Para
eles, reputação é tão ou mais importante do que outros fatores de risco que
afetam a empresa.
Chama a atenção que, na Operação Carne Fraca, nenhum dos
personagens envolvidos deixou de ter um impacto negativo em sua imagem. Para o
governo, a operação não “poderia alcançar a dimensão que está alcançando”. Foi
classificada pelo presidente Michel Temer como “um pequeno incidente”. Depois,
ele emendou: “Não vou falar pequeno, porque é grave”.
Deparar-se com uma crise de reputação é um pesadelo do qual
nenhuma instituição está livre. A melhor conduta organizacional é estar
preparado com um plano de ação preventivo e de tratamento antecipado. Assumir o
controle dos riscos, antecipar riscos, analisar cenários e administrar o
processo são questões de responsabilidade institucional, de todas as áreas da
organização, inclusive e essencialmente do área de comunicação.
Superar uma crise de imagem é equação que requer controle
emocional, planejamento e ação coordenada. E uma boa maneira de começar tudo
isso é com o exercício de antecipar todos os riscos do negócio.
TEXTO 4 – Quem ganha com o escândalo da carne e
por que o Brasil ainda pode reverter a crise
Enquanto o
Brasil tenta conter os prejuízos no mercado internacional em meio às suspensões
de importação de carne por causa do escândalo de adulteração e corrupção no
setor, outros países enxergam o fato como oportunidade. Grandes produtores de
carne, como Estados Unidos e Austrália, estão de olho em mercados em que Brasil
tinha força, como a China e a União Europeia.
Especialistas,
ainda assim, dizem acreditar que o Brasil tenha uma vantagem: outros países
terão dificuldade de suprir a demanda de um dos maiores exportadores de carne do
mundo.
A
indústria da carne brasileira exporta o equivalente a US$ 12 bilhões por ano,
de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Só de
carne bovina foram gerados US$ 5,5 bilhões, com as 1,4 milhão de toneladas
enviadas a 150 países em 2016, segundo a Associação Brasileira das Indústrias
Exportadoras de Carnes (Abiec).
O maior
comprador é Hong Kong - região administrativa especial da China -, que importou
330 mil toneladas, gerando US$ 1,1 bilhão para o Brasil.
A
proximidade geográfica com a China - segundo maior importador de carne
brasileira - pode dar vantagens à Austrália, enquanto os Estados Unidos miram
os países europeus. A estimativa da AEB é que o Brasil tenha prejuízos de até
US$ 2 bilhões este ano no mercado internacional, influenciado tanto pelas
restrições como por uma provável queda do preço da carne brasileira.
O preço da
carne brasileira já era relativamente baixo, segundo Castro. Os preços de
frango, carne bovina e suína tinham recuado, em média, 25% entre 2011 e 2016. No
último ano, os frigoríficos brasileiros vinham conseguindo vender a preços
melhores, com aumento de 40% no preço da carne suína, 20% do frango e 10% da
carne bovina.
O que pode
salvar o mercado brasileiro é a dificuldade de outros países de produzir a
quantidade que o Brasil hoje exporta. "O Brasil é o maior produtor de
carne de frango e de longe o maior exportador, então acho improvável que alguém
consiga substituí-lo", afirmou à BBC Brasil Liz Murphy, CEO da Associação
Internacional de Comércio de Carnes (IMTA, na sigla em inglês). Além disso,
países exportadores enfrentam seus próprios desafios para competir
internacionalmente. A Austrália, segundo maior exportador de carne bovina,
recupera-se de uma forte seca no último ano, que afetou rebanhos e elevou os
preços do seu produto.
Qual pode ser o impacto do escândalo da carne na
economia brasileira?
A intenção
é expandir a atuação no mercado europeu, especialistas afirmaram ao AgriLand,
um portal de notícias irlandês especializado em agricultura. "A Irlanda
sempre pressionou por barreiras à produção", acrescentou Castro. "Mas
o problema deles é o alto custo dos produtos."
"Se a
carne brasileira continuar suspensa, isso pode aumentar o retorno do
país", concluiu Williams, ponderando que a situação ainda está nebulosa
demais para se prever a movimentação dos mercados.
Isso
significa que as consequências da crise vão depender de como o Brasil irá lidar
- e comunicar - o combate à corrupção da carne.
Ou seja,
os especialistas consultados pela BBC Brasil concordam que as denúncias de
propinas a fiscais e de adulteração de carne são gravíssimas e que o escândalo
tem um potencial de danos sem precedentes à imagem brasileira nesse mercado
internacional.
TEXTO 5 – Governo anuncia primeira vitória na
crise da carne
Passados oito dias desde a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que
abalou as exportações brasileiras, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi,
anunciou no sábado (25) que a China voltará a importar carne do Brasil sem
restrição. Os chineses barraram a entrada dos contêineres brasileiros em seus
portos em reação à operação da PF. A investigação levantou suspeitas sobre as
condições sanitárias de 21 frigoríficos, incluindo um da Seara e outro da BRF
(a dona das marcas Sadia e Perdigão). A PF afirma que uma quadrilha de ao menos
oito fiscais do Ministério da Agricultura no Paraná cobrava propina para
afrouxar a inspeção sanitária. Aceitavam até peças de carne nobre como
pagamento. O inquérito também apontou irregularidades graves na manipulação de
alimentos em três frigoríficos paranaenses: o Peccin Agroindustrial usou carne
podre na produção de salsichas e linguiças, o Larissa utilizou carne vencida
havia três meses e o Souza Ramos colocou frango nas salsichas de peru
destinadas à merenda escolar.
O governo federal reclama que a PF
generalizou as acusações para toda a produção de carne brasileira, atingindo os
grandes exportadores. O mercado internacional reagiu mal à divulgação do
inquérito da PF. A União Europeia, o maior importador do Brasil, barrou a
compra de produtos dos 21 frigoríficos investigados pela PF. Segundo
consumidor, a China paralisou o desembaraço aduaneiro e Hong Kong, o terceiro
no ranking, determinou a suspensão temporária das importações e o recall de
produtos provenientes dos 21 frigoríficos. As importações desses três mercados
somaram US$ 4,81 bilhões em 2016.
Para consertar o estrago, Maggi começou
um trabalho de "garoto-propaganda" da carne brasileira no exterior.
Na quinta-feira (23), o ministro visitou um frigorífico em Goiás acompanhado de
jornalistas chineses. "O Ministério da Agricultura, o Itamaraty e a rede
de embaixadas do Brasil no exterior trabalharam incansavelmente", afirmou
Maggi, por meio de nota, ao anunciar que a China reabrirá seu mercado. Os
chineses mantêm suspensas a compra de produções da unidade da Seara no Paraná,
sob investigação da PF. O funcionário da empresa Flavio Cassou foi preso acusado
de pagar propina a fiscais em troca de certificados para exportação. A Seara,
que pertence ao grupo JBS, nega irregularidades.
Na tarde do sábado (25), o presidente
Michel Temer afirmou que o Egito e o Chile também "normalizaram as
importações de carne do Brasil após receber esclarecimentos e informações
técnicas". Os mercados egípcio e chileno são, respectivamente, o oitavo e
o décimo consumidores do Brasil, de quem compraram mais de US$ 1,1 bilhão em
2016. O governo comprovou que a produção de frango e bovinos está de acordo com
as leis islâmicas do Egito, diz nota assinada por Temer e Maggi. O Chile
manterá restrição apenas para os 21 frigoríficos sob investigação.
O desfecho da Operação Carne Fraca é o
passo decisivo para restaurar totalmente a credibilidade das exportações. No
dia 17 de março, a PF cumpriu 186 mandados de busca e apreensão em
frigoríficos, escritórios, laboratórios, nas casas de suspeitos e até no
Ministério da Agricultura. Tomou o depoimento de 81 pessoas conduzidas à
delegacia e depois liberadas. Há 26 presos preventivamente. É um gigantesco
manancial para obter provas da corrupção de fiscais, que fecharam os olhos às
irregularidades sanitárias, e também para esclarecer de vez as suspeitas
levantadas sobre a qualidade da carne nos frigoríficos investigados. Não pode
restar dúvida.
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