Texto da aula
TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Tatuagem na testa, punição
usada antes de Cristo, há muito foi abolida
Na China antiga, existia código penal com mais de 500 crimes
puníveis por tatuagens. Em SP, jovem teve a testa tatuada e tatuador foi preso.
Uma imagem chamou a atenção de todos e gerou muita polêmica:
a tatuagem feita na testa de um adolescente acusado de tentar furtar uma
bicicleta: “Eu sou ladrão e vacilão”. Quem flagrou a suposta tentativa de furto
foi um tatuador de 27 anos, que decidiu punir o jovem por conta própria. O
vizinho pedreiro filmou tudo. Tatuador e o vizinho foram presos por crime de
tortura.
A tatuagem como punição já foi usada muitas vezes na
história. A mais recente foi no século 19, no Japão. A tatuagem na testa era o
castigo para crimes leves e durou até 1872, quando foi abolida. O registro mais
antigo tem milhares de anos. A tatuagem era considerada uma forma de punição na
Pérsia e na Grécia antigas, por volta do século VI antes de Cristo. Criminosos
e escravos eram tatuados também no Império Romano, no século IX depois de
Cristo. Na China antiga, foi praticado por milhares de anos. Existia até um
código penal com mais de 500 crimes que eram puníveis por tatuagens.
TEXTO 2 – “Tortura de jovem
tatuado na testa foi feita para ser consumida nas redes”
“Eu sou ladrão e vacilão”. As cinco palavras, tatuadas à
força na testa de um jovem de 17 anos suspeito de tentar roubar uma bicicleta
em São Bernardo do Campo, se espalharam nas redes sociais e grupos de WhatsApp.
Mesmo em um país que lidera o ranking mundial de linchamentos e homicídios no
mundo, acostumado às cenas de violência e a ver a população fazer o que
considera ser justiça com as próprias mãos, a tortura do adolescente provocou
repulsa – mas também admiração. Para
alguns, o tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis e o vizinho Ronildo Moreira
de Araújo, que registrou o crime em vídeo, são exemplos de “cidadãos de bem cansados
de sofrer nas mãos da bandidagem”. Os dois foram presos preventivamente pelo
polícia. Para Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo, este tipo de ação parte do pressuposto de que o
Estado “é ausente e não pune o suficiente”. “Existe uma percepção de
impunidade, de que há muito crime e o Estado não está punindo o bastante. Mas
quando você analisa os números, é precisamente o contrário: as cadeias estão
lotadas”, afirma.
Após o crime, o coletivo Afroguerrilha organizou uma
arrecadação virtual para custear a remoção da tatuagem feita no jovem bem como
um tratamento para ele, que seria dependente químico. Até esta quarta-feira já
haviam levantado mais de 32.000 reais, o dobro da meta. Posteriormente a
Prefeitura de São Bernardo anunciou que iria custear a cirurgia para retirar a
tatuagem. Nas redes sociais grupos conservadores indignados com a “vaquinha
para ajudar ladrão”, reagiram, e criaram um fundo para custear a defesa dos
dois torturadores – arrecadando até o momento pouco mais de 6.000. Ironicamente,
em 2011 o pedreiro Ronildo Moreira de Araújo, que gravou a tortura do
adolescente, havia sido condenado pelo roubo da bolsa de uma mulher em 2008.
Pergunta. O que motiva este
tipo de ação?
Resposta. As pessoas têm uma sensação de insegurança muito
grande, é um problema real no Brasil. Elas sofrem, têm medo, são vítimas de
crimes ou conhecem alguém que foi vítima, e esse sentimento não pode ser
minimizado. Além disso, existe outra percepção na sociedade, que é a de
impunidade. Isso faz com que em alguns momentos as pessoas queiram tomar para
si o papel que é do Estado, e aplicar uma justiça bárbara. A lógica que
alimenta essas ações é a de que, por exemplo, marcar aquele rapaz é uma forma
eficiente de dissuadir novos crimes. A discussão não problematiza essa questão.
Se eu prendo mais, a consequência é menos crime? Não. Nada aponta para isso, as
cadeias estão sempre lotadas. É preciso se pensar outras formas de gastar esses
recursos.
P. Qual o papel das redes
sociais nesse caso?
R. Os dois homens que torturaram o jovem de São Bernardo não
queriam apenas torturar. Eles queriam humilhar publicamente, queriam fazer da
ação uma vingança, para que aquilo não ficasse entre quatro paredes. Levaram
para dentro de casa, que é um espaço privado, mas tornaram pública a tortura
via a tatuagem, que tem a pretensão de ser permanente, ainda por cima num local
de alta visibilidade, como a testa. E fizeram um vídeo. Este é um recurso
superpoderoso para tornar aquilo um evento não só local. Na medida em que
registram e compartilham, isso se torna uma performance para um público, a
tortura do jovem foi feita para ser consumida, seja para a crítica ou para
endossar a atitude deles. As redes sociais têm um papel muito importante na
estratégia da agressão, ela é parte da estratégia dos torturadores.
P. A sociedade valida este
tipo de violência?
R. Muito provavelmente eles pensaram que os espectadores
daquela tortura concordariam com eles, e parte da sociedade considera este tipo
de ação como sendo válida. Quando fizeram aquilo, e isso é uma marca também dos
linchamentos, os torturadores tiveram uma percepção de que não estavam
cometendo crime algum, tanto é que nem tentam esconder sua identidade no vídeo.
P. Existe uma questão
socioeconômica por trás deste tipo de crime?
R. Existe uma percepção, principalmente nas periferias, que
sofrem com a ausência de instituições fortes e uma menor presença do Estado, de
que as pessoas precisam resolver seus próprios problemas, diferente dos bairros
ricos, onde há um aparato de segurança que acaba “resolvendo” os problemas. A
população mais abastada acaba terceirizando e privatizando seu aparato de
segurança. Nos dois casos prevalece a ideia do cada um por si: "Ah, o
Estado é ineficiente então cabe a cada um resolver seus problemas”.
P. Quais as semelhanças
entre este caso de tortura e um linchamento?
R. Este não é um caso de linchamento, mas reverbera alguns
dos problemas que já existem no país e apresenta inúmeros paralelos com o
linchamento, que é um fenômeno antigo no Brasil, tem algumas centenas de anos.
Em comum, por exemplo, está o desejo de fazer aquilo que eles consideram como
sendo justiça por conta própria.
TEXTO 3 – Justiça com as
próprias mãos: uma realidade cotidiana
Nas últimas seis décadas, estima-se que um milhão de pessoas
tenham participado de algum caso de linchamento no país. Entenda as motivações
e o contexto em que esses crimes acontecem. No fim de fevereiro de 2016, o
caminhoneiro Juvenal Paulino de Souza foi espancado até a morte em Paraíso do
Norte, no Paraná. Ele foi acusado por populares de ter sido avistado tocando as
partes íntimas de duas crianças, uma delas de seis anos. Ele foi encontrado
desacordado pela polícia; no hospital, não resistiu aos ferimentos. Um exame de
corpo de delito nas crianças descartou os abusos. Casos como o de Juvenal são
comuns no país. O Brasil tem pelo menos um caso de linchamento por dia. Nas
últimas seis décadas, estima-se que um milhão de pessoas tenham participado de
algum caso de violência coletiva no país. O número é do sociólogo José de Souza
Martins, autor de um livro e um dos maiores especialistas sobre o tema no
Brasil. Com tantos casos, os linchamentos não podem mais ser vistos como
momentos excepcionais. A recorrência do fenômeno faz com que ele possa ser
considerado um componente da realidade social brasileira.
QUAL é o perfil dos linchamentos no Brasil?
Um linchamento é um assassinato (ou uma tentativa) cometido
por um grupo grande de pessoas, cujas motivações conjugam a ideia de execução
sumária, justiça social e vingança. Os contextos podem variar, mas o caráter
coletivo da ação, a ideia de justiça com as próprias mãos e os preconceitos que
geralmente orientam esse tipo de comportamento são elementos comuns na maioria
dos episódios.
Casos recentes ilustram como é o fenômeno no país. Em
setembro de 2015, por exemplo, o servente de pedreiro Aldecir Bezerra da Silva,
de 38 anos, foi espancado até a morte por um grupo de pessoas ao sair de casa
para ir ao mercado em Natal, no Rio Grande do Norte. Os linchamentos aumentaram
no final da ditadura militar, tiveram uma queda entre os anos 1990 para os 2000
e voltaram a subir nos últimos anos. Os motivos que levam ao crime também
mudaram. Na década de 1980, a maior parte das vítimas de linchamento era
acusada de ter cometido crimes contra o patrimônio, como roubo e furto. Depois,
nos anos 1990 e 2000, os justiçamentos populares começaram a ter como alvo
agentes de crimes mais graves, como sequestro e estupro. Nos últimos 60 anos,
apenas 44% das vítimas de linchamento foram salvas enquanto eram espancadas -
quase sempre pela polícia.
QUEM são as vítimas de linchamento?
De acordo com a doutoranda em sociologia Ariadne Natal, do
Núcleo de Estudos da Violência da USP, as vítimas de linchamento têm o mesmo
perfil daqueles que sofrem com os altos índices de homicídios no país: a
maioria são homens jovens, de 15 a 30 anos, de áreas periféricas, desempregados
ou com profissões de baixo status social.
COMO as autoridades lidam com os envolvidos em
linchamentos?
O Código Penal brasileiro não tipifica linchamento como um
crime específico. Agressões em grupo são classificadas de acordo com a natureza
da agressão - lesão corporal, tentativa de homicídio ou homicídio, dependendo
do caso. Ainda existe um atenuante da pena se o crime for cometido em grupo.
Como os linchamentos muitas vezes acabam sendo percebidos pela sociedade como uma
reação legítima da população, raramente aqueles que os cometem são
identificados ou punidos. Ariadne Natal analisou 589 ocorrências de
justiçamento em 30 anos e apenas um suspeito chegou a ir a julgamento. “É um
crime que muitas pessoas aceitam. É necessário um processo de mudança de
mentalidade que é longo e complicado”, diz.
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/15/Justi%C3%A7a-com-as-pr%C3%B3prias-m%C3%A3os-uma-realidade-cotidiana
TEXTO 4 - Justiça com as
próprias mãos: Até onde é justa?
Ultimamente a onda de vingança popular, ou rebeldia, ou
insatisfação com a impunidade do Estado ou como qualquer outra forma que você
conceitue, ganha cada vez mais espaço nos noticiários e nas mídias sociais.
Alguns creditam isso ao posicionamento de uma certa jornalista que ora é criticada,
ora é ovacionada como a verdadeira voz do jornalismo. Escolha o seu time. Ledo
engano também.
Não é a primeira vez que ondas de ódio popular manifestam-se
através da famosa justiça com as próprias mãos. Se não temos um Estado forte,
punível, justo, célere e capaz de usar a jurisdição para resolver todos os
conflitos como a sociedade deseja, por que não dar à sociedade o direito de
resolver os seus problemas sem o dedo do Estado? Simples, porque isso nos
remete ao estágio dos primórdios humanos onde o famoso olho por olho e dente
por dente era muito mais importante e eficaz que os 250 Artigos da Constituição
e os 97 da ADCT. Mas afinal, por que isso é preocupante?
Diferentemente da justiça aplicada pelo Estado, a
"justiça" aplicada pelo povo diretamente não comporta princípios e
leis que são responsáveis por toda a evolução jurídica e social até o presente
momento. Essa autotutela popular é perigosa porque princípio nenhum é capaz de
parar o sangue na garganta de um pai que acabou de ver seu filho ser morto, sua
mulher e filha ser estuprada, seu carro comprado com todo o esforço dividido em
milhões de prestações ser levado por um irresponsável que quer que tudo venha
fácil pra si. E não é pra ser diferente.
Aqui, o desejo é uníssono: Vingança, fazer com que ele pague
pelo que fez e que sinta dor por conta disso. Logo, o melhor a se fazer é
espancar, apedrejar, torturar até a morte pois isso é a melhor maneira de fazer
com que ele aprenda que o que ele fez é errado, como se ele não soubesse. O
propósito aqui é saciar a sede de vingança. Sendo assim, a justiça não está
presente e torna-se desnecessária.
A punibilidade pelo Estado é moderada e amarrada por diversos
princípios e não poderia ser diferente. Apesar de muitas e merecidas
reclamações, estamos muito melhores do que há séculos atrás em quesito Brasil e
Mundo. A burocracia é um preço caro a ser pago por um sistema democrático. O
Estado democrático de direito, a dignidade da pessoa humana, a presunção de
inocência, o fim de regimes imperiais absolutistas foram grandes conquistas
para TODOS e que hoje são jogadas como Direitos humanos para bandido ou
semelhante, resumindo conquistas imensuráveis para a sociedade e para o mundo
como formas de ajudar quem não obedecer o bons costumes sociais.
É errado pensar assim? Depende, uai. Se você acaba de ver um
parente seu ser morto vai ter tempo pra pensar no fim do absolutismo, na
isonomia, na dignidade da pessoa humana? É lógico que não, somos humanos, temos
instintos antes das leis. O que parece mais correto é matar quem matou também,
pois nada melhor que devolver o troco no valor exato.
Como podemos ver, o real problema não está ai. O problema é
até onde essa justiça pode chegar. Vingança, quando você tem certeza de quem
foi, sempre foi um costume adotado pela humanidade. Mas por que chamar algo
pautado apenas no instinto humano de justiça? Onde a justiça entra na jogada?
Essa tal justiça com as próprias mãos não precisa de provas cabais para ser
executada, o que abre um precedente infinito de possibilidades de ocorrência de
injustiças bem pior que a "verdadeira justiça" que tanto reclamam, ou
seja, um sujo está falando do mal lavado. A justiça judiciária é burocrática
porque precisa e deve garantir que o que se discute seja realmente real para
pesar sua mão. Infelizmente, a justiça do povo, apesar da vingança, que de
forma nenhuma é justiça, nem sempre espera defesa. Assim como um assassino não
espera também.
O caso mencionado acima é um exemplo de justiça popular onde
não há dúvidas de que a lei de talião foi aplicada, que uma forma ou de outra
realmente ERA legal. Mas e quando a vingança se baseia em hipóteses como no
caso de um menino negro com problemas mentais que foi morto por acharem que ele
era estuprador? A mãe, uma empregada doméstica de um bairro pobre, pode sair
por ai batendo em quem matou ele mesmo sabendo que não existiam provas contra o
garoto? Diferente de quem matou ele ela tem certeza dos autores do crime, e
agora? Percebe onde quero chegar? É um ciclo vicioso.
Mas, paremos um pouco para raciocinar. Na justiça do
judiciário, injustiças acontecem mesmo com todos os princípios e defesas, na
"Justiça" popular acontece a mesma coisa; Na justiça judiciária,
segundo as más línguas, a maioria dos punidos são pobres, na
"justiça" popular também; Na justiça judiciária uma prova mal colhida
gera impunidade, Na "justiça" popular a mera desconfiança já é
suficiente pra executar a punição; Na Justiça judiciária a punição demora
bastante, na "justiça" popular a punição é rápida, imediata e eficaz
pois sacia muito mais a sede de vingança matando o indivíduo do que prendendo
por meia dúzia de anos, não é mesmo? Pra quê precisamos do Estado para tomar
conta das relações e organizações da sociedade se nós somos capazes de resolver
isso com as próprias mãos e o Estado sempre é tido como ineficaz? Pra que
Estado democrático de direito se só serve pra bandido? Pra que dignidade da
pessoa humana se só quem é errado é beneficiado?
Então não precisamos mais saber até onde a justiça popular é
justa, uma vez que esse limite nunca existiu. É como dizem os mais velhos:
Falar é fácil quando o nosso não está na reta. Quando eles disseram isso aposto
que não faziam ideia da proporção que isso tomaria mais tarde. Já imaginou se a
justiça judiciária pautasse-se apenas em vingança? Não, é melhor não.
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