O projeto de lei, batizado de “lei da bofetada”, já passou pela fase inicial ao ser aprovado pela Assembleia Federal da Rússia. A proposta é eliminar sanções penais aplicadas sobre as primeiras infrações ou a ataques que ocorrem apenas uma vez ao ano, no qual a mulher ou criança não é “seriamente” ferida.
Em entrevista à CNN, Yelena Mizulina, senadora conservadora que propôs a medida, disse que as penalidades atuais são “anti-família” e uma “intervenção sem fundamento sobre assuntos familiares”. “Não dá para querer que as pessoas sejam presas por dois anos ou rotuladas de criminosas pelo resto de suas vidas por uma bofetada.”
Textos da aula
TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Rússia
decidiu pela descriminalização da violência doméstica
Projeto de lei que recebeu apenas três votos contrários no
Parlamento, deve ser assinado pelo presidente Putin, que já declarou seu apoio
à medida
A Assembleia Federal da Rússia (Duma) votou e decidiu pela
descriminalização da violência doméstica no país em casos em que não haja
"agressão física grave" e não ocorram mais de uma vez ao ano. A
votação aconteceu nesta sexta-feira (27) e recebeu 380 votos favoráveis e
apenas três votos contrários.
De acorto com o "USA Today", a decisão elimina a
responsabilidade criminal por violência doméstica , determinando punição
através de uma multa de aproximadamente 500 dólares (cerca de R$1.500,00) ou 15
dias de prisão, desde que o ato não seja repetido dentro de 12 meses.
“De acordo com estatísticas do governo da Rússia, 40% de
todos os crimes violentos são cometidos no núcleo familiar
O projeto de lei agora será encaminhado para aprovação da
Câmara Superior, onde não é esperada oposição. Em seguida, o projeto deverá ser
assinado pelo presidente Vladmir Putin, que já demonstrou seu apoio. O
porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que conflitos familiares “não
constituem, necessariamente, violência doméstica”.
A aprovação no parlamento contraria uma decisão da Suprema
Corte no último ano que descriminalizou agressão que não resulte em dano
corporal grave, mas manteve acusações criminais envolvendo agressão contra
membros da família. O líder do partido Rússia Unida, Andrei Isayev, acredita
que os legisladores estão “ao clamor público”, corrigindo o erro cometido no
ano passado.
Uma pesquisa realizada por telefone com 1,8 mil cidadãos da
Rússia entre os dias 13 e 15 de janeiro descobriu que 19% dos russos acreditam
que "seja aceitável” bater na esposa, marido ou filho “em certas
circunstâncias”. A margem de erro da pesquisa é de 2,5 pontos percentuais.
“ 19% dos russos acreditam que seja aceitável bater na
esposa, marido ou filho
De certa forma, o novo projeto de lei reflete um provérbio
russo que diz: “se ele te bate, quer dizer que te ama”. De acordo com
estatísticas do governo da Rússia, 40% de todos os crimes violentos são
cometidos no núcleo familiar. No total, 36 mil mulheres apanham de seus
parceiros a cada dia e 26 mil crianças apanham de seus pais a cada ano no país.
A polícia russa é muitas vezes relutante ao lidar com casos
de violência doméstica, por acreditar que interferir seria ‘se meter’ em problemas
familiares. Em novembro de 2016, uma mulher ligou para as autoridades para
pedir ajuda contra o comportamento agressivo de seu namorado, mas os oficiais
responderam que só iriam a seu resgate se ela morresse. Logo em seguida, ela
foi espancada até a morte por seu namorado.
Link deste artigo:
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2017-01-27/russia-violencia-domestica.html
TEXTO 2 – E no Brasil?
1 - A lei
representa um reconhecimento do Estado brasileiro de que, em nosso contexto, os
papéis associados ao gênero feminino e o lugar privilegiado do gênero masculino
nas relações geram vulnerabilidades para as mulheres, que acabam sendo mais
expostas socialmente a certos tipos de violência e violações de direitos.
2 - A Lei
Maria da Penha define cinco formas de violência doméstica e familiar, deixando
claro que não existe apenas a violência que deixa marcas físicas evidentes:
–
violência psicológica: xingar, humilhar, ameaçar, intimidar e
amedrontar; criticar continuamente, desvalorizar os atos e desconsiderar a
opinião ou decisão da mulher; debochar publicamente, diminuir a autoestima;
tentar fazer a mulher ficar confusa ou achar que está louca; controlar tudo o
que ela faz, quando sai, com quem e aonde vai; usar os filhos para fazer
chantagem – são alguns exemplos de violência psicológica, de acordo com a
cartilha Viver sem violência é direito de toda mulher;
–
violência física: bater e espancar; empurrar, atirar
objetos, sacudir, morder ou puxar os cabelos; mutilar e torturar; usar arma
branca, como faca ou ferramentas de trabalho, ou de fogo;
–
violência sexual: forçar relações sexuais quando a
mulher não quer ou quando estiver dormindo ou sem condições de consentir; fazer
a mulher olhar imagens pornográficas quando ela não quer; obrigar a mulher a
fazer sexo com outra(s) pessoa(s); impedir a mulher de prevenir a gravidez, forçá-la
a engravidar ou ainda forçar o aborto quando ela não quiser;
–
violência patrimonial: controlar, reter ou tirar dinheiro
dela; causar danos de propósito a objetos de que ela gosta; destruir, reter
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens e
direitos;
–
violência moral: fazer comentários ofensivos na frente
de estranhos e/ou conhecidos; humilhar a mulher publicamente; expor a vida
íntima do casal para outras pessoas, inclusive nas redes sociais; acusar
publicamente a mulher de cometer crimes; inventar histórias e/ou falar mal da
mulher para os outros com o intuito de diminuí-la perante amigos e parentes.
3 - Na maior
parte dos casos, as diferentes formas de violência acontecem de modo combinado.
No estudo
multipaíses da OMS realizado no Brasil (Estudio multipaís de la OMS sobre salud
de la mujer y violencia doméstica contra la mujer (OMS, 2002), cerca de 30% das
mulheres que disseram ter sido agredidas pelo parceiro afirmam que foram
vítimas tanto de violência física como de violência sexual; mais de 60% admitem
ter sofrido apenas agressões físicas; e menos de 10% contam ter sofrido apenas
violência sexual.
4 - Além de
ação, a omissão diante da violência também é responsabilizada pela Lei: fazer
de conta que não viu, omitir-se ou ser conivente com uma agressão aos direitos
da mulher também é uma maneira de praticar violência.
TEXTO 3 – Quais as causas
Exemplos de como esses estereótipos estão nas raízes da
violência doméstica:
‘Ela não cumpriu o seu papel como mulher’
“Grande parte dos homens autores de violências contra suas
parceiras dizem: ‘eu bati nela porque ela me tirou do sério, me irritou, a
culpa é dela’. Quando a gente começa a analisar isso junto com eles e
questionar – ‘por que você acha que tem direito de controlar a maneira como ela
se veste? Por que você acha que ela deve cozinhar para você?’ – é quase
impossível separar o que eles entendem como ‘ser homem’ e os direitos que isso
lhes dá, da maneira que eles se comportam e de suas atitudes’.”
Achar que é uma prerrogativa do parceiro ‘disciplinar’ ou
‘controlar’ a mulher ou que ela é a única responsável pelas tarefas domésticas
e de cuidado com as crianças e idosos são exemplos de como papéis rígidos de
gênero podem ser utilizados para ‘justificar’ a violação do direito das mulheres
a uma vida livre de violência.
Esta lógica de pensamento masculino que cristaliza ‘deveres
femininos’, muitas vezes, aparece também nas raízes do estupro conjugal – a
violência sexual praticada pelo próprio parceiro da mulher, quando esse homem
assume que o relacionamento é uma prerrogativa para a relação sexual
independentemente da vontade e do consentimento da mulher.
A decisão da mulher de romper um relacionamento
não é aceita
“No Brasil, há um desenvolvimento da estrutura psíquica
masculina — do ponto de vista cultural, não de indivíduos em particular — que
está pouco preparada para receber a rejeição feminina. É ele que pode rejeitar.
Este modelo aparece de maneira muito forte na violência contra as mulheres,
porque quando uma mulher desiste daquele homem e decide acabar com a relação, a
honra dele está manchada. São os casos mais clássicos de pancadaria na família
ou eventualmente assassinato da mulher.”
Não por acaso, o momento de rompimento da relação violenta é
visto por especialistas como um momento de grande risco para a integridade
física e a vida da mulher (ver mais sobre feminicídio).
‘Foi ela que começou’: ninguém deve ser
responsabilizado pela violência que sofreu
“A maioria dos homens se sente extremamente injustiçada e é
preciso quebrar essa barreira. Trabalhamos muito a responsabilização com os
homens autores de agressão, fazemos um trabalho de desconstrução da
desigualdade entre homens e mulheres e de responsabilização pelo ato de
violência.”
Um problema que acontece com frequência é que os agressores,
autorizados pela cultura de desigualdade entre homens e mulheres, não enxergam
que cometeram uma violência e jogam a responsabilidade dos seus atos na vítima.
TEXTO 4 – Infográfico
Fonte: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/violencia-domestica-e-familiar-contra-as-mulheres/
TEXTO 5 – Um caso recente
Chacina de
Campinas: um feminicídio
Técnico
matou a ex-mulher, o filho e outras dez pessoas na noite de Réveillon. Das 12
vítimas, 9 eram mulheres, a quem chamou de "vadias"
Mãe e filho
são enterrados. "Quero pegar o máximo de vadias da família juntas",
escreveu o assassino
Uma carta
escrita pelo assassino e divulgada no domingo 1º pelo jornal O Estado de S.
Paulo não deixa dúvidas: trata-se de feminicídio, crime no qual as mulheres são
mortas em razão do gênero, ou seja, por menosprezo ou discriminação à condição
de mulher.
Na carta,
Araújo usa 12 vezes a palavra “vadia” para se referir à ex-mulher e às mulheres
da família dela. “Quero pegar o máximo de vadias da família juntas”, escreveu.
Em outro
trecho, em que o ódio e a misoginia ficam ainda mais evidentes, o assassino diz
ter “raiva das vadias que se proliferam e muito a cada dia se beneficiando da
lei vadia da penha!”, uma referência à Lei Maria da Penha. Araújo desconhecia
ou ignorava o fato de que a lei, criada em 2006, reduziu em cerca de 10% a taxa
de homicídio contra mulheres vítimas de violência doméstica, segundo o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Apesar dos
avanços trazidos pelas leis do Feminicídio e Maria Penha, a violência de gênero
faz parte do cotidiano do País. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)
compilados no Mapa da Violência 2015 apontam que o Brasil é o quinto país do
mundo em assassinatos de mulheres, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala
e Rússia.
“Além do crime de assassinato cometido em uma
circunstância de violência doméstica familiar, o assassino mostra muito
menosprezo à mulher, à condição do sexo feminino. Isso abrange todas as vítimas
dessa chacina”, afirma. Para Sanematsu, que participou da elaboração do Dossiê
Feminicídio, o caso expõe a urgência em debater o machismo na sociedade
brasileira.
“O que leva a esse ódio? Isso representa, para
mim, a incapacidade do homem de lidar com o empoderamento das mulheres. Esse
empoderamento leva as mulheres a dizerem não, e as reações extremas vêm
daqueles que não sabem lidar com a contrariedade. Então toda mulher que
contraria a sua vontade, a sua ordem e a sua opinião é uma vadia. E é essa
mulher que merece ser agredida, que merece ser morta. É muito preocupante”,
completa Sanematsu.
Entre as
12 vítimas de Araújo está também João Victor Filier de Araújo, de 8 anos, filho
dele com Isamara. Os pais disputavam a guarda da criança, e em 2012 Araújo foi
acusado pela ex-mulher de abusar sexualmente do filho. A Justiça considerou que
as acusações não eram “cabalmente comprovadas”, mas determinou regras de
convívio restritas. De acordo com Daniela Teixeira, vice-presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, a Justiça falhou.
“O Judiciário deve desculpas a essa mulher que
morreu e aos parentes que também morreram. Essa mulher já tinha procurado a
Justiça para dizer que ele [Araújo] era uma pessoa perturbada. Todo o sistema
jurídico falhou na proteção dessa mulher, dessa criança e das outras pessoas
inocentes que foram mortas nesse Réveillon”, afirma Teixeira. “As atitudes dele
comprovam que ela [Isamara] tinha razão. Esse pai não podia ficar perto do
filho. Olha o que ele foi capaz de fazer”, continua.
Na carta,
Araújo coloca-se como vítima de uma “injustiça”, de um plano armado pela
ex-mulher para distanciá-lo do filho. Por fim, incita o ódio e a violência
contra as mulheres.
“Eu morro por justiça, dignidade, honra e pelo
meu direito de ser pai! (...) A vadia foi ardilosa e inspirou outras vadias a
fazer o mesmo com os filhos, agora os pais quem irão se inspirar e acabar com
as famílias das vadias”, escreveu o assassino.
Para
Sanematsu, do Patrícia Galvão, agora é o momento de desviar os holofotes do
discurso misógino do assassino. “O que me preocupa é que esse discurso encontre
ressonância em boa parte da população, especialmente masculina, que também está
insatisfeita, se sentindo impotente”, afirma.
Daniela
Teixeira, da OAB-DF, concorda. “O que choca são as reações, os comentários nas
reportagens. As pessoas estão justificando a atitude dele, como se a mulher
devesse ser responsabilizada.”
Alguns vídeos
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