terça-feira, 28 de março de 2017

Aula 04/2017 - Apropriação Cultural

TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Jovem é repreendida por usar turbante e levanta debate na internet
A jovem Thauane Cordeiro fez um post na sua página no Facebook em que questionou a "apropriação cultural" --a adoção de alguns elementos de uma cultura por um grupo cultural diferente.
Ela conta que foi repreendida por outras mulheres, pois estava usando um turbante. No entanto, Thauane tem câncer e estava com o acessório, que é típico da cultura afro, para disfarçar a queda dos fios.
Leia trecho do relato:
"Vou contar o que houve ontem, para entenderem o porquê de eu estar brava com esse lance de apropriação cultural:
Eu estava na estação com o turbante toda linda, me sentindo diva. E eu comecei a reparar que tinha bastante mulheres negras, lindas aliás, que estavam me olhando torto, tipo 'olha lá a branquinha se apropriando da nossa cultura'. Enfim, veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante, porque eu era branca. Tirei o turbante e falei 'tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus.', Peguei e saí e ela ficou com cara de tacho."
Ao fim do relato, postado no dia 4 de fevereiro, ela ainda colocou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. Até o momento, seu post recebeu 62 mil curtidas e foi compartilhado mais de 20 mil vezes. O episódio aconteceu em Curitiba.

TEXTO 2 – Apropriação cultural é racismo?
Em 2015, o estopim foi o penteado com dreadlocks, tradicionalmente associado à cultura negra, usado pelas celebridades americanas Miley Cyrus e Kylie Jenner, ambas brancas. Em 2016, foi um baile de Carnaval, em São Paulo, em homenagem à África. Em 2017, foi uma estudante paranaense e branca que disfarçou sua queda de cabelos, consequência de um tratamento contra leucemia, com um turbante. A discussão sobre apropriação cultural tornou-se tão recorrente quanto inflamada. Quando uma manifestação cultural pode ser considerada própria de um grupo? Quando usar elementos tradicionais de outro grupo é um desrespeito? Quando é uma manifestação de apoio? Quando é um gesto desinteressado, sem conotações políticas? Faz diferença se esse grupo luta por inclusão?
Tahuane Cordeiro, a estudante paranaense que se disse hostilizada no metrô de São Paulo, afirma que seu gesto de enrolar um pano na cabeça não tinha nenhuma intenção política. “Estava na estação com o turbante, toda linda, me sentindo diva. Comecei a reparar que mulheres negras, lindas aliás, estavam me olhando torto. Veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante porque eu era branca. Tirei o turbante e falei ‘tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus’”, disse, pelo Facebook, em uma mensagem curtida 140 mil vezes. Superexposta, Tahuane tornou-se alvo da raiva e da falta de argumentos das redes sociais. “Tô ficando assustada com a quantidade de hater”, disse.
A discussão sobre se apropriação cultural representa racismo tornou-se tão recorrente quanto inflamada
O pano de fundo do debate sobre apropriação cultural é uma discussão sobre racismo. Para a cantora Leci Brandão, a apropriação é desrespeitosa por se apropriar de símbolos da cultura negra, sem levar junto as mensagens. “O problema não está na difusão do produto cultural tradicional, mas na eliminação da população negra desse processo.” Para o antropólogo Antonio Risério, o debate no Brasil é mera cópia daquele que ocorre nos Estados Unidos – descabido por supor que, aqui, a divisão entre brancos e negros é profunda como a de lá. “Nada do que chegou ao Brasil permaneceu ‘puro’”, afirma. “Esta baboseira de ‘apropriação cultural’ é coisa de quem quer implantar apartheids em nossos trópicos, em vez de se lançar às marés das misturas.”

TEXTO 3 – “É baboseira querer isolar comunidades”, diz Antonio Risério
Parte da atual cultura universitária, entrincheirada nas “humanidades” e produzindo efeitos na esfera do “ativismo”, resolveu fazer uma dupla abolição. De uma parte, aboliu as classes sociais: agora, só existem sexo e etnia. De outra, no rastro de uma velha fantasia racista, aboliu os mestiços. E estes “abolicionistas” são autoritários, “fascistas de esquerda”: quem discorda da tese merece o fogo do inferno.
Isso aconteceu nos Estados Unidos, claro. Mas, graças ao capachismo mental de nosso sistema universitário, vai se reproduzindo no Brasil. Como se fosse possível substituir nossa experiência histórica e social pela experiência histórica e social dos americanos. É o ménage à trois do escapismo, da ignorância e da alienação colonizada.
>> Apropriação cultural é racismo?
A jovem filósofa Bruna Frascolla, tradutora de David Hume, foi direto ao assunto: “Tenho colegas que já andavam problematizando turbante porque nos Estados Unidos se problematiza turbante. A fórmula é a seguinte: sempre que vocês virem um jovem que se pretenda progressista afirmando alguma coisa digna do kkk (risada-padrão de deboche na internet) ou das mulheres de Aristófanes, isso vem de modismos acadêmicos dos Estados Unidos. São os estudos de questões sociais feitos em departamentos de literatura (sim!), sem qualquer compromisso com análise concreta e rigorosa de dados. Os ‘gender studies’, os ‘postcolonial studies’ e a caçula ‘queer theory’. Tudo consiste em pegar o antagonismo de classes do marxismo, a dinâmica opressor-oprimido, e transferir para etnia e sexo”.
No campo racial, eles dividem o mundo drasticamente entre brancos e pretos. (Os Estados Unidos são uma anomalia planetária: o único país do mundo que não reconhece a existência de mestiços.) Misturas são miragens, ilusões de ótica. Nesse apartheid, branco usa coisa de branco; preto, coisa de preto. “Brancos e negros, assim como homens e mulheres, são fundamentalmente diferentes e cabe ouvir o oprimido sem questioná-lo.” Todos no reino da filantropia ideológica, portanto.
Os Estados Unidos são uma nação de fraca capacidade integradora e alto poder destrutivo. Em sua obra Fenomenologia do brasileiro, Vilém Flusser, judeu nascido na Praga de Kafka, já falava da insularização local das etnias, que viria a produzir uma série compartimentada de nipo, ítalo ou afrodescendentes. Ao lado disso, o poder destrutivo. O exemplo clássico está no assassinato espiritual do africano nos Estados Unidos.
Sob a pressão do poder puritano branco, as religiões negras foram destruídas naquele país. Por isso, Martin Luther (Martinho Lutero, note-se) King foi um pastor protestante e não um babalaô, senhor das práticas divinatórias de Ifá. Se tivesse acontecido aqui e em Cuba o que aconteceu nos Estados Unidos e na Argentina, não teríamos um só orixá vivo, hoje, em toda a extensão continental das Américas.
Para dar outro exemplo, os sintagmas “black religious music” e “música religiosa negra” são linguisticamente equivalentes, mas culturalmente dessemelhantes. No primeiro caso, o que temos é o hinário protestante preto, recriação de salmos brancos. No segundo, a música sacra africana executada em nossos terreiros de candomblé, com alabês e atabaques. Lá, a destruição; entre nós, a sobrevivência. Com orixás celebrados com grande sucesso na cultura de massa. Por quê?
Porque aqui a mescla foi total. Não houve apenas o fato biológico da miscigenação, mas o reconhecimento social e cultural das misturas, que é o que define a mestiçagem. Durante séculos, nos Estados Unidos, a miscigenação foi uma prática fora da lei, inclusive com a proibição legal de casamentos interétnicos. E a mestiçagem nunca existiu. Nunca foi reconhecida como tal.
Outra coisa: mestiçagem não é sinônimo de harmonia. Tem uma forte carga de conflitos. Não se trata de idealizar nada. Mas é preciso entendê-la, ou não nos entenderemos jamais. Hoje, ao contrário, o que se quer é abolir o fenômeno. Tentar exorcizar as ambiguidades brasileiras e transformar o país num campo racial polarizado, à maneira dos Estados Unidos.
O Brasil não é um país multicultural. E nem tem como adotar a ideologia multiculturalista, com sua fantasia de isolar cada “comunidade” numa espécie qualquer de autismo antropológico. Em consequência de nossos processos histórico-culturais, o sincretismo é o traço central da dimensão simbólica de nossa existência. Temos, sim, a mestiçagem e o sincretismo, para além dos que querem agora nos obrigar a olhar o povo brasileiro pelas lentes americanas, com o horror puritano às misturas, a mixofobia anglo-saxônica, que sempre teve nojo de negro.
Combater a mestiçagem é uma tolice. Combater o sincretismo é combater o que há de mais rico na vida, que são as trocas de experiências e de signos. Mais: toda crítica que tivermos, ao processo brasileiro, deve ser feita para enriquecê-lo. Mas agora vem a PPC – a Polícia do Politicamente Correto – para empobrecer tudo, na base do fascismo travestido de progressismo? Não dá. Não queiram nos convencer de que apartheid é sinônimo de democracia. Temos de deixar esses modismos de lado – e tratar de pensar o Brasil por nossa conta e risco.

TEXTO 4 – Branco pode usar turbante?': Saiba o que é apropriação cultural
A palavra “apropriar” significa tomar para si. O termo “apropriação cultural” é um conceito da antropologia e se refere ao momento em que alguns elementos específicos de uma determinada cultura são adotados por pessoas ou um grupo cultural diferente.
Mas não é só isso. O conceito de apropriação cultural passa por uma reflexão política. Esse uso tem uma conotação negativa, especialmente quando a cultura de um grupo que foi oprimido é adotada por um grupo de uma cultura dominante.
A cultura é um universo de símbolos e as imagens e as estéticas são fruto das experiências humanas. Um turbante carrega significados mais complexos e profundos do que simplesmente ser uma vestimenta. A peça tem origem nas culturas afro-orientais. No Brasil, o turbante é um ornamento religioso no candomblé, religião brasileira criada por africanos de diferentes etnias, advindos da escravidão. Ele é usado tradicionalmente por povos da África, do Oriente Médio e da Ásia
Desde a chegada dos escravos no Brasil, ritos espirituais africanos eram proibidos pelos colonizadores portugueses. Até a década de 1930, o candomblé era perseguido pela polícia e existia na clandestinidade. Muitos adeptos da religião sofreram racismo e ainda sofrem preconceito nas ruas por usar turbantes e outros símbolos afros. Por muito tempo o turbante foi visto de forma pejorativa como “coisa de macumbeiro”. Todo esse contexto faz com que um negro, ao usar um turbante hoje, use-o não apenas como um item estético, mas também como um símbolo de resistência, afirmação e orgulho da ancestralidade.
E quando o turbante é usado por um não negro? A princípio não há problema. A liberdade individual é uma premissa de uma sociedade democrática. A pessoa pode levar o modo de vida que desejar e vestir o que quiser. Mas será que esse uso é ético? Será que ela não está refletindo uma relação de poder?
O poeta negro B. Easy publicou em sua conta no Twitter a frase: A cultura negra é popular, pessoas negras não são. A apropriação cultural esquece as práticas rituais e torna invisíveis as lutas desses povos. Pessoas começam a usar roupas e acessórios sem saber seus significados e origens. Ou seja, dá margem para que elementos de uma cultura sejam banalizados, estereotipados ou simplesmente reduzidos a “exóticos”.
Recentemente, a moda se apropriou dos turbantes com estampas étnicas. Modelos e atrizes brancas posaram para editoriais em revistas de moda. Adotado por uma determinada elite, o turbante se tornou estiloso. Por que os modelos não eram negros? Como fica a cultura negra? Possivelmente esquecida ou ainda esvaziada de sentido.
Vamos voltar aos símbolos. Por que cultura dominante? Quando uma cultura é dominante, ela se coloca como o padrão aceitável. Por exemplo, no período da Roma Antiga, os romanos invadiam regiões da Europa e pouco a pouco o idioma latim foi imposto aos povos nativos. Quando um símbolo de um povo marginalizado é tomado pelo elemento dominante, isso se torna uma relação de privilégio de uma cultura em relação à outra. Trata-se de um processo que envolve desigualdade e desrespeito.
Depois das Grandes Navegações, no século 15, o contato entre diferentes povos se intensificou e países europeus criaram colônias nos territórios do “Novo Mundo”. A partir da colonização europeia, diversas culturas foram gradativamente subjugadas e incorporadas ao âmbito da visão de mundo ocidental. A diáspora de povos como o povo negro, o povo judeu e o povo cigano também contribuiu para esse fluxo. As culturas dos outros (não ocidentais) eram consideradas exóticas, selvagens, inferiores e muitas vezes reprimidas. Ao mesmo tempo, muitas culturas acabam assimilando sem maiores conflitos os “traços” vindos de outros povos (sincretismo) formando uma nova identidade social. A cultura é viva e ela está sempre em movimento.
O sincretismo aconteceu em diversos momentos da história. No Brasil, os índios Kayapós possuem cantos tradicionais com origem em outros povos indígenas. Na Amazônia, ribeirinhos usam redes (de origem indígena) para dormir. Outro exemplo: os colonizadores portugueses levaram a mandioca, raiz típica da culinária indígena, para Angola. Hoje a mandioca é muito comum no país africano. (...)
Mas qual o limite entre o elogio a uma cultura e a apropriação e esvaziamento de significado dela?
Existem pessoas que entendem que não existe problema em consumir bens culturais de outros povos, tudo isso são traços da individualidade e da busca de estilos de vida. Existem ainda aqueles que entendem que ao entender que uma determinada prática cultural só deve ser exercida pelo grupo que o legitima. Seria isso autoritarismo ou afirmação?
A discussão é polêmica e repleta de perguntas. Brancos devem cantar rap? Ocidentais podem praticar o xamanismo indígena ou fazer a yoga indiana? O maracatu deve ser um produto de carnaval? É complexo definir o momento em que o uso de símbolos e costumes de um povo torna-se uma ofensa ou sinal de perigo.
O problema parece estar no ato de consumir sem a reflexão ou sem o devido respeito, o que esvazia o sentido. E quando esse comportamento se choca com a tradição de um povo, as coisas começam a ficar mais complicadas. De onde esse artefato veio? Que história ele conta? Que povo ele representa? Não é o ato de usar um turbante que ofendem esses grupos, mas o fato de usar o turbante sem ter consciência de seu valor simbólico para as comunidades tradicionais. É mais ofensivo ainda utilizar um símbolo para fins econômicos e que não tragam retorno para a comunidade “de origem”.
Um exemplo é a polêmica da marca Havaianas. Ela criou uma coleção de sandálias que leva ilustrações da etnia Yawalapiti, um dos povos indígenas do Alto Xingu, no estado do Mato Grosso. Os grafismos Yawalapiti são considerados propriedade coletiva e não um desenho de autoria de uma pessoa só. O contrato da marca foi feito com uma pessoa da etnia, mas não teve a autorização dos caciques para autorizar a reprodução dos desenhos para uso comercial. Quem é dono de um conhecimento coletivo e de uma cultura imaterial?

TEXTO 5 – Algumas imagens
  


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