terça-feira, 28 de março de 2017

Aula 05/2017 - Operação CARNE FRACA





TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Operação Carne Fraca: o esquema podre que ronda os frigoríficos no Brasil
A Operação Carne Fraca, deflagrada no último dia 17 e que desvendou um esquema corrupto entre fiscais e frigoríficos para burlar os devidos controles sanitários, já é considerada a de maior envergadura da Polícia Federal. Ela mobilizou cerca de 1.100 agentes para cumprir 309 mandados de prisão, condução coercitiva e busca e apreensão. A operação, no entanto, acabou recebendo críticas, precisamente, pela sua espetacularidade, que repercutiu negativamente nas exportações de carne do Brasil sem que as autoridades tenham sido capazes de dimensionar o alcance das irregularidades.
As 353 páginas do despacho do juiz que autorizou as prisões, Marcos Josegrei da Silva, revelam que não há indícios de que as práticas corruptas sejam comuns em todo o país e limita os tentáculos da trama aos Estados de Paraná, Minas Gerais e Goiás e a 33 frigoríficos, que incluem unidades, isso sim, das gigantes da carne JBS e BRF, donas das marcas Friboi Seara e Big Frango e da Sadia e Perdigão, respectivamente. O juiz tampouco menciona a existência de papelão usado para rechear o frango, como foi divulgado pela Polícia Federal inicialmente, mas sim conta com detalhes de como fiscais e empresários fraudavam o processo de qualidade dos alimentos e recebiam, em troca, de grandes e pequenas quantidades de dinheiro a asinhas de frango.
O relatório, por exemplo, contempla o testemunho de uma ex-funcionária do frigorífico Peccin que assegura que a empresa, com a aprovação dos fiscais responsáveis do Ministério da Agricultura, reaproveitava partes de animais mortos e usava muito menos carne do que a necessária para a elaboração de seus produtos e a substituía por “outras substâncias”. O frigorífico ainda faria uso de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças e mascarava os alimentos estragados com produtos químicos como o ácido ascórbico e sórbico. O problema, nesses casos, não é tanto a composição dessas sustâncias autorizadas mas sim sua utilização para disfarçar carne em mau estado. Há conversas interceptadas que falam do reaproveitamento de carne caducada três meses antes.
É notória também a cumplicidade dos fiscais em casos em que a empresa deve dar saída a lotes infestados com salmonela, por exemplo. Essa bactéria que pode provocar problemas gastrointestinais é motivo de várias conversas entre servidores públicos e funcionários dos frigoríficos. Em um dos casos, um fiscal diz a outro que com a carne com salmonela dá para fazer mortadela.
O decorrer dos fatos relatados pelo juiz demonstra também a facilidade com que os fiscais corruptos se desfaziam dos colegas que sim cumpriam com a sua obrigação. Esta operação, aliás, teve seu origem dois anos atrás a partir da denúncia de um fiscal, Daniel Teixeira, que acabou sendo afastado do seu local de trabalho após identificar e perseguir irregularidades em frigoríficos. Outros fiscais que colocavam travas ao fácil funcionamento das empresas envolvidas eram alvo das conversas entre empresários e servidores que discutiam como dar um jeito neles.

TEXTO 2 –A carne brasileira não é fraca, é "forte" e a melhor do mundo
Não, a afirmativa não se sustenta. Seria incoerente. O Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 80% de gado nelore adaptado, rústico, saudável e que se alimenta basicamente de capim. A avicultura e a suinocultura operam um modelo imbatível de integração; e cooperativas sérias e competitivas. A ração conta com milho barato. Levamos décadas, mas superamos doenças como a febre aftosa, peste suína clássica, gripe aviária, etc. graças a uma ação integrada e eficaz dos pecuaristas com os órgãos oficiais federais e estaduais de defesa agropecuária. A indústria processadora de carnes é top no mundo. O Sistema de Inspeção Federal (SIF) é respeitado internacionalmente. Ufanismo? Se não fosse assim, como explicar a posição de primeiro exportador mundial de carne bovina, segundo de aves e quarto de suíno? Faturamos US$12 bilhões de dólares de venda externas em 2016. Vendas concretizadas após o cumprimento das formalidades, mediante a expedição de 853 mil partidas de produtos de origem animal, das quais só 184 com desconformidades, segundo o MAPA.
É patrimônio de causar inveja às mais poderosas economias do planeta. E tudo isso está agora sujeito a chuvas e trovoadas por causa de 33 fiscais mancomunados com executivos de três frigoríficos? Calma lá, não é bem assim. Eles não conseguiriam tamanho estrago sozinhos. O buraco é mais embaixo; há mais do que aviões de carreira nesse céu.
Ora, que a pecuária de corte brasileira é saudável, já se sabe. Que a indústria de processamento de carnes está entre as melhores do mundo, já se sabe. Que o Estado brasileiro está longe dos mais eficientes do mundo, mas a inspeção é muito boa, também já se sabe. Que o sistema político nacional induz o deputado/senador ao papel de despachante de luxo e ter que buscar as formas possíveis para se reeleger, também já sabemos, e com tristeza. Que a impunidade geral e duradoura, com larga história de tolerância no Brasil, incentivando criminosos a agirem, desinibidos, e em todas as áreas, também sabemos.
Portanto, não se pode sacar conclusões apressadas ou enviesadas, do tipo se o Estado não tivesse atrapalhado teria ajudado muito; isso acontece porque os fiscais não fiscalizam; a culpa é dos políticos; a ganância dos empresários é que provoca esse escândalo. Isso aconteceu porque os fiscais desonestos têm liberdade de agir.
Vamos por partes. Os fiscais são seres humanos, iguais a você, inclusive na honestidade. São convocados a comparecer ao frigorífico a partir da madrugada, têm que se deslocar, alimentar, descansar, etc. E o governo federal nunca alocou recursos orçamentários suficientes para garantir o contingente necessário nem os equipamentos compatíveis com as necessidades de atuação em cada frigorífico, e condições adequadas de trabalho, com um mínimo de conforto, dentro do frigorífico. O frigorífico vê tudo isso, e oferece “ajuda”, semelhante à que proporciona aos seus empregados, ou um pouco mais, dependendo da receptividade. Entra ano e sai ano, nessa mesma situação. E os fiscais ainda têm que administrar pressões para não serem tão rigorosos nos laudos.  Se endurecer, está sujeito a reações como uma transferência para outra cidade. A grande maioria resiste e trabalha com dignidade. Enquanto isso, nos Estados Unidos, os fiscais são instruídos a sequer conversar com funcionários dos frigoríficos, e se comunicam basicamente via meios eletrônicos, ou seja, com transparência e acompanhamento por diversas instâncias burocráticas.

TEXTO 3 – Carne, ativo forte e volátil
A imagem institucional e a construção de reputação são temas que precisam de constante atenção, afinal, como disse o investidor e filantropo americano Warren Buffet: “são necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la.”
As reações em cadeia dirigidas aos frigoríficos e à Polícia Federal na condução da Operação Carne Fraca são exemplos de como a imagem e a reputação de uma marca podem ser voláteis. Desde a deflagração das investigações da Lava Jato, a PF vinha ostentando altos índices de aprovação popular. Nos últimos dias, a instituição viu-se no centro da polêmica e precisou dar muitas explicações sobre os procedimentos adotados durante a investigação e o modo de divulgá-la.
A conhecida frase de Warren Buffet parece ter sido escrita especificamente para este episódio: ”São necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”. De uma hora para outra os ventos mudam e a crise chega, com sérios danos ao ativo de imagem de órgãos e carreiras profissionais públicas e privadas.
A questão em foco aqui não é analisar se a PF errou ou exagerou na dimensão e forma de divulgar o escândalo, mas usar o episódio como exemplo de que a imagem institucional e a construção de reputação são temas que precisam de constante atenção.
A Operação Carne Fraca teve enorme repercussão na imprensa internacional, vasto impacto na imagem do Brasil no exterior, além de forte impacto nas exportações brasileiras.
Pesquisa Deloitte feita em 2015 com 300 executivos brasileiros já apontava os efeitos econômicos: crise de imagem tem impacto direto no faturamento das empresas. Segundo o levantamento, 41% dos que enfrentaram essas situações notaram queda nas receitas e perda no valor de marcas.  E 87% dos entrevistados disseram que ter a reputação da empresa ou da marca manchada é o pior pesadelo. Para eles, reputação é tão ou mais importante do que outros fatores de risco que afetam a empresa.
Chama a atenção que, na Operação Carne Fraca, nenhum dos personagens envolvidos deixou de ter um impacto negativo em sua imagem. Para o governo, a operação não “poderia alcançar a dimensão que está alcançando”. Foi classificada pelo presidente Michel Temer como “um pequeno incidente”. Depois, ele emendou: “Não vou falar pequeno, porque é grave”.
Deparar-se com uma crise de reputação é um pesadelo do qual nenhuma instituição está livre. A melhor conduta organizacional é estar preparado com um plano de ação preventivo e de tratamento antecipado. Assumir o controle dos riscos, antecipar riscos, analisar cenários e administrar o processo são questões de responsabilidade institucional, de todas as áreas da organização, inclusive e essencialmente do área de comunicação.
Superar uma crise de imagem é equação que requer controle emocional, planejamento e ação coordenada. E uma boa maneira de começar tudo isso é com o exercício de antecipar todos os riscos do negócio.

TEXTO 4 – Quem ganha com o escândalo da carne e por que o Brasil ainda pode reverter a crise
Enquanto o Brasil tenta conter os prejuízos no mercado internacional em meio às suspensões de importação de carne por causa do escândalo de adulteração e corrupção no setor, outros países enxergam o fato como oportunidade. Grandes produtores de carne, como Estados Unidos e Austrália, estão de olho em mercados em que Brasil tinha força, como a China e a União Europeia.
Especialistas, ainda assim, dizem acreditar que o Brasil tenha uma vantagem: outros países terão dificuldade de suprir a demanda de um dos maiores exportadores de carne do mundo.
A indústria da carne brasileira exporta o equivalente a US$ 12 bilhões por ano, de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Só de carne bovina foram gerados US$ 5,5 bilhões, com as 1,4 milhão de toneladas enviadas a 150 países em 2016, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
O maior comprador é Hong Kong - região administrativa especial da China -, que importou 330 mil toneladas, gerando US$ 1,1 bilhão para o Brasil.
A proximidade geográfica com a China - segundo maior importador de carne brasileira - pode dar vantagens à Austrália, enquanto os Estados Unidos miram os países europeus. A estimativa da AEB é que o Brasil tenha prejuízos de até US$ 2 bilhões este ano no mercado internacional, influenciado tanto pelas restrições como por uma provável queda do preço da carne brasileira.
O preço da carne brasileira já era relativamente baixo, segundo Castro. Os preços de frango, carne bovina e suína tinham recuado, em média, 25% entre 2011 e 2016. No último ano, os frigoríficos brasileiros vinham conseguindo vender a preços melhores, com aumento de 40% no preço da carne suína, 20% do frango e 10% da carne bovina.
O que pode salvar o mercado brasileiro é a dificuldade de outros países de produzir a quantidade que o Brasil hoje exporta. "O Brasil é o maior produtor de carne de frango e de longe o maior exportador, então acho improvável que alguém consiga substituí-lo", afirmou à BBC Brasil Liz Murphy, CEO da Associação Internacional de Comércio de Carnes (IMTA, na sigla em inglês). Além disso, países exportadores enfrentam seus próprios desafios para competir internacionalmente. A Austrália, segundo maior exportador de carne bovina, recupera-se de uma forte seca no último ano, que afetou rebanhos e elevou os preços do seu produto.
Qual pode ser o impacto do escândalo da carne na economia brasileira?
A intenção é expandir a atuação no mercado europeu, especialistas afirmaram ao AgriLand, um portal de notícias irlandês especializado em agricultura. "A Irlanda sempre pressionou por barreiras à produção", acrescentou Castro. "Mas o problema deles é o alto custo dos produtos."
"Se a carne brasileira continuar suspensa, isso pode aumentar o retorno do país", concluiu Williams, ponderando que a situação ainda está nebulosa demais para se prever a movimentação dos mercados.
Isso significa que as consequências da crise vão depender de como o Brasil irá lidar - e comunicar - o combate à corrupção da carne.
Ou seja, os especialistas consultados pela BBC Brasil concordam que as denúncias de propinas a fiscais e de adulteração de carne são gravíssimas e que o escândalo tem um potencial de danos sem precedentes à imagem brasileira nesse mercado internacional.

TEXTO 5 – Governo anuncia primeira vitória na crise da carne
  Passados oito dias desde a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que abalou as exportações brasileiras, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, anunciou no sábado (25) que a China voltará a importar carne do Brasil sem restrição. Os chineses barraram a entrada dos contêineres brasileiros em seus portos em reação à operação da PF. A investigação levantou suspeitas sobre as condições sanitárias de 21 frigoríficos, incluindo um da Seara e outro da BRF (a dona das marcas Sadia e Perdigão). A PF afirma que uma quadrilha de ao menos oito fiscais do Ministério da Agricultura no Paraná cobrava propina para afrouxar a inspeção sanitária. Aceitavam até peças de carne nobre como pagamento. O inquérito também apontou irregularidades graves na manipulação de alimentos em três frigoríficos paranaenses: o Peccin Agroindustrial usou carne podre na produção de salsichas e linguiças, o Larissa utilizou carne vencida havia três meses e o Souza Ramos colocou frango nas salsichas de peru destinadas à merenda escolar.
O governo federal reclama que a PF generalizou as acusações para toda a produção de carne brasileira, atingindo os grandes exportadores. O mercado internacional reagiu mal à divulgação do inquérito da PF. A União Europeia, o maior importador do Brasil, barrou a compra de produtos dos 21 frigoríficos investigados pela PF. Segundo consumidor, a China paralisou o desembaraço aduaneiro e Hong Kong, o terceiro no ranking, determinou a suspensão temporária das importações e o recall de produtos provenientes dos 21 frigoríficos. As importações desses três mercados somaram US$ 4,81 bilhões em 2016.
Para consertar o estrago, Maggi começou um trabalho de "garoto-propaganda" da carne brasileira no exterior. Na quinta-feira (23), o ministro visitou um frigorífico em Goiás acompanhado de jornalistas chineses. "O Ministério da Agricultura, o Itamaraty e a rede de embaixadas do Brasil no exterior trabalharam incansavelmente", afirmou Maggi, por meio de nota, ao anunciar que a China reabrirá seu mercado. Os chineses mantêm suspensas a compra de produções da unidade da Seara no Paraná, sob investigação da PF. O funcionário da empresa Flavio Cassou foi preso acusado de pagar propina a fiscais em troca de certificados para exportação. A Seara, que pertence ao grupo JBS, nega irregularidades.
Na tarde do sábado (25), o presidente Michel Temer afirmou que o Egito e o Chile também "normalizaram as importações de carne do Brasil após receber esclarecimentos e informações técnicas". Os mercados egípcio e chileno são, respectivamente, o oitavo e o décimo consumidores do Brasil, de quem compraram mais de US$ 1,1 bilhão em 2016. O governo comprovou que a produção de frango e bovinos está de acordo com as leis islâmicas do Egito, diz nota assinada por Temer e Maggi. O Chile manterá restrição apenas para os 21 frigoríficos sob investigação.
O desfecho da Operação Carne Fraca é o passo decisivo para restaurar totalmente a credibilidade das exportações. No dia 17 de março, a PF cumpriu 186 mandados de busca e apreensão em frigoríficos, escritórios, laboratórios, nas casas de suspeitos e até no Ministério da Agricultura. Tomou o depoimento de 81 pessoas conduzidas à delegacia e depois liberadas. Há 26 presos preventivamente. É um gigantesco manancial para obter provas da corrupção de fiscais, que fecharam os olhos às irregularidades sanitárias, e também para esclarecer de vez as suspeitas levantadas sobre a qualidade da carne nos frigoríficos investigados. Não pode restar dúvida.

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