segunda-feira, 19 de junho de 2017

Aula 11/2017 - Justiça com as próprias mãos




Texto da aula

TEXTO 1 – FATO MOTIVADOR - Tatuagem na testa, punição usada antes de Cristo, há muito foi abolida
Na China antiga, existia código penal com mais de 500 crimes puníveis por tatuagens. Em SP, jovem teve a testa tatuada e tatuador foi preso.
Uma imagem chamou a atenção de todos e gerou muita polêmica: a tatuagem feita na testa de um adolescente acusado de tentar furtar uma bicicleta: “Eu sou ladrão e vacilão”. Quem flagrou a suposta tentativa de furto foi um tatuador de 27 anos, que decidiu punir o jovem por conta própria. O vizinho pedreiro filmou tudo. Tatuador e o vizinho foram presos por crime de tortura.
A tatuagem como punição já foi usada muitas vezes na história. A mais recente foi no século 19, no Japão. A tatuagem na testa era o castigo para crimes leves e durou até 1872, quando foi abolida. O registro mais antigo tem milhares de anos. A tatuagem era considerada uma forma de punição na Pérsia e na Grécia antigas, por volta do século VI antes de Cristo. Criminosos e escravos eram tatuados também no Império Romano, no século IX depois de Cristo. Na China antiga, foi praticado por milhares de anos. Existia até um código penal com mais de 500 crimes que eram puníveis por tatuagens.

TEXTO 2 – “Tortura de jovem tatuado na testa foi feita para ser consumida nas redes”
“Eu sou ladrão e vacilão”. As cinco palavras, tatuadas à força na testa de um jovem de 17 anos suspeito de tentar roubar uma bicicleta em São Bernardo do Campo, se espalharam nas redes sociais e grupos de WhatsApp. Mesmo em um país que lidera o ranking mundial de linchamentos e homicídios no mundo, acostumado às cenas de violência e a ver a população fazer o que considera ser justiça com as próprias mãos, a tortura do adolescente provocou repulsa –  mas também admiração. Para alguns, o tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis e o vizinho Ronildo Moreira de Araújo, que registrou o crime em vídeo, são exemplos de “cidadãos de bem cansados de sofrer nas mãos da bandidagem”. Os dois foram presos preventivamente pelo polícia. Para Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, este tipo de ação parte do pressuposto de que o Estado “é ausente e não pune o suficiente”. “Existe uma percepção de impunidade, de que há muito crime e o Estado não está punindo o bastante. Mas quando você analisa os números, é precisamente o contrário: as cadeias estão lotadas”, afirma.
Após o crime, o coletivo Afroguerrilha organizou uma arrecadação virtual para custear a remoção da tatuagem feita no jovem bem como um tratamento para ele, que seria dependente químico. Até esta quarta-feira já haviam levantado mais de 32.000 reais, o dobro da meta. Posteriormente a Prefeitura de São Bernardo anunciou que iria custear a cirurgia para retirar a tatuagem. Nas redes sociais grupos conservadores indignados com a “vaquinha para ajudar ladrão”, reagiram, e criaram um fundo para custear a defesa dos dois torturadores – arrecadando até o momento pouco mais de 6.000. Ironicamente, em 2011 o pedreiro Ronildo Moreira de Araújo, que gravou a tortura do adolescente, havia sido condenado pelo roubo da bolsa de uma mulher em 2008.
Pergunta. O que motiva este tipo de ação?
Resposta. As pessoas têm uma sensação de insegurança muito grande, é um problema real no Brasil. Elas sofrem, têm medo, são vítimas de crimes ou conhecem alguém que foi vítima, e esse sentimento não pode ser minimizado. Além disso, existe outra percepção na sociedade, que é a de impunidade. Isso faz com que em alguns momentos as pessoas queiram tomar para si o papel que é do Estado, e aplicar uma justiça bárbara. A lógica que alimenta essas ações é a de que, por exemplo, marcar aquele rapaz é uma forma eficiente de dissuadir novos crimes. A discussão não problematiza essa questão. Se eu prendo mais, a consequência é menos crime? Não. Nada aponta para isso, as cadeias estão sempre lotadas. É preciso se pensar outras formas de gastar esses recursos.
P. Qual o papel das redes sociais nesse caso?
R. Os dois homens que torturaram o jovem de São Bernardo não queriam apenas torturar. Eles queriam humilhar publicamente, queriam fazer da ação uma vingança, para que aquilo não ficasse entre quatro paredes. Levaram para dentro de casa, que é um espaço privado, mas tornaram pública a tortura via a tatuagem, que tem a pretensão de ser permanente, ainda por cima num local de alta visibilidade, como a testa. E fizeram um vídeo. Este é um recurso superpoderoso para tornar aquilo um evento não só local. Na medida em que registram e compartilham, isso se torna uma performance para um público, a tortura do jovem foi feita para ser consumida, seja para a crítica ou para endossar a atitude deles. As redes sociais têm um papel muito importante na estratégia da agressão, ela é parte da estratégia dos torturadores.
P. A sociedade valida este tipo de violência?
R. Muito provavelmente eles pensaram que os espectadores daquela tortura concordariam com eles, e parte da sociedade considera este tipo de ação como sendo válida. Quando fizeram aquilo, e isso é uma marca também dos linchamentos, os torturadores tiveram uma percepção de que não estavam cometendo crime algum, tanto é que nem tentam esconder sua identidade no vídeo.
P. Existe uma questão socioeconômica por trás deste tipo de crime?
R. Existe uma percepção, principalmente nas periferias, que sofrem com a ausência de instituições fortes e uma menor presença do Estado, de que as pessoas precisam resolver seus próprios problemas, diferente dos bairros ricos, onde há um aparato de segurança que acaba “resolvendo” os problemas. A população mais abastada acaba terceirizando e privatizando seu aparato de segurança. Nos dois casos prevalece a ideia do cada um por si: "Ah, o Estado é ineficiente então cabe a cada um resolver seus problemas”.
P. Quais as semelhanças entre este caso de tortura e um linchamento?
R. Este não é um caso de linchamento, mas reverbera alguns dos problemas que já existem no país e apresenta inúmeros paralelos com o linchamento, que é um fenômeno antigo no Brasil, tem algumas centenas de anos. Em comum, por exemplo, está o desejo de fazer aquilo que eles consideram como sendo justiça por conta própria.

TEXTO 3 – Justiça com as próprias mãos: uma realidade cotidiana
Nas últimas seis décadas, estima-se que um milhão de pessoas tenham participado de algum caso de linchamento no país. Entenda as motivações e o contexto em que esses crimes acontecem. No fim de fevereiro de 2016, o caminhoneiro Juvenal Paulino de Souza foi espancado até a morte em Paraíso do Norte, no Paraná. Ele foi acusado por populares de ter sido avistado tocando as partes íntimas de duas crianças, uma delas de seis anos. Ele foi encontrado desacordado pela polícia; no hospital, não resistiu aos ferimentos. Um exame de corpo de delito nas crianças descartou os abusos. Casos como o de Juvenal são comuns no país. O Brasil tem pelo menos um caso de linchamento por dia. Nas últimas seis décadas, estima-se que um milhão de pessoas tenham participado de algum caso de violência coletiva no país. O número é do sociólogo José de Souza Martins, autor de um livro e um dos maiores especialistas sobre o tema no Brasil. Com tantos casos, os linchamentos não podem mais ser vistos como momentos excepcionais. A recorrência do fenômeno faz com que ele possa ser considerado um componente da realidade social brasileira.
QUAL é o perfil dos linchamentos no Brasil?
Um linchamento é um assassinato (ou uma tentativa) cometido por um grupo grande de pessoas, cujas motivações conjugam a ideia de execução sumária, justiça social e vingança. Os contextos podem variar, mas o caráter coletivo da ação, a ideia de justiça com as próprias mãos e os preconceitos que geralmente orientam esse tipo de comportamento são elementos comuns na maioria dos episódios.
Casos recentes ilustram como é o fenômeno no país. Em setembro de 2015, por exemplo, o servente de pedreiro Aldecir Bezerra da Silva, de 38 anos, foi espancado até a morte por um grupo de pessoas ao sair de casa para ir ao mercado em Natal, no Rio Grande do Norte. Os linchamentos aumentaram no final da ditadura militar, tiveram uma queda entre os anos 1990 para os 2000 e voltaram a subir nos últimos anos. Os motivos que levam ao crime também mudaram. Na década de 1980, a maior parte das vítimas de linchamento era acusada de ter cometido crimes contra o patrimônio, como roubo e furto. Depois, nos anos 1990 e 2000, os justiçamentos populares começaram a ter como alvo agentes de crimes mais graves, como sequestro e estupro. Nos últimos 60 anos, apenas 44% das vítimas de linchamento foram salvas enquanto eram espancadas - quase sempre pela polícia.
QUEM são as vítimas de linchamento?
De acordo com a doutoranda em sociologia Ariadne Natal, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, as vítimas de linchamento têm o mesmo perfil daqueles que sofrem com os altos índices de homicídios no país: a maioria são homens jovens, de 15 a 30 anos, de áreas periféricas, desempregados ou com profissões de baixo status social.
COMO as autoridades lidam com os envolvidos em linchamentos?
O Código Penal brasileiro não tipifica linchamento como um crime específico. Agressões em grupo são classificadas de acordo com a natureza da agressão - lesão corporal, tentativa de homicídio ou homicídio, dependendo do caso. Ainda existe um atenuante da pena se o crime for cometido em grupo. Como os linchamentos muitas vezes acabam sendo percebidos pela sociedade como uma reação legítima da população, raramente aqueles que os cometem são identificados ou punidos. Ariadne Natal analisou 589 ocorrências de justiçamento em 30 anos e apenas um suspeito chegou a ir a julgamento. “É um crime que muitas pessoas aceitam. É necessário um processo de mudança de mentalidade que é longo e complicado”, diz.

TEXTO 4 - Justiça com as próprias mãos: Até onde é justa?
Ultimamente a onda de vingança popular, ou rebeldia, ou insatisfação com a impunidade do Estado ou como qualquer outra forma que você conceitue, ganha cada vez mais espaço nos noticiários e nas mídias sociais. Alguns creditam isso ao posicionamento de uma certa jornalista que ora é criticada, ora é ovacionada como a verdadeira voz do jornalismo. Escolha o seu time. Ledo engano também.
Não é a primeira vez que ondas de ódio popular manifestam-se através da famosa justiça com as próprias mãos. Se não temos um Estado forte, punível, justo, célere e capaz de usar a jurisdição para resolver todos os conflitos como a sociedade deseja, por que não dar à sociedade o direito de resolver os seus problemas sem o dedo do Estado? Simples, porque isso nos remete ao estágio dos primórdios humanos onde o famoso olho por olho e dente por dente era muito mais importante e eficaz que os 250 Artigos da Constituição e os 97 da ADCT. Mas afinal, por que isso é preocupante?
Diferentemente da justiça aplicada pelo Estado, a "justiça" aplicada pelo povo diretamente não comporta princípios e leis que são responsáveis por toda a evolução jurídica e social até o presente momento. Essa autotutela popular é perigosa porque princípio nenhum é capaz de parar o sangue na garganta de um pai que acabou de ver seu filho ser morto, sua mulher e filha ser estuprada, seu carro comprado com todo o esforço dividido em milhões de prestações ser levado por um irresponsável que quer que tudo venha fácil pra si. E não é pra ser diferente.
Aqui, o desejo é uníssono: Vingança, fazer com que ele pague pelo que fez e que sinta dor por conta disso. Logo, o melhor a se fazer é espancar, apedrejar, torturar até a morte pois isso é a melhor maneira de fazer com que ele aprenda que o que ele fez é errado, como se ele não soubesse. O propósito aqui é saciar a sede de vingança. Sendo assim, a justiça não está presente e torna-se desnecessária.
A punibilidade pelo Estado é moderada e amarrada por diversos princípios e não poderia ser diferente. Apesar de muitas e merecidas reclamações, estamos muito melhores do que há séculos atrás em quesito Brasil e Mundo. A burocracia é um preço caro a ser pago por um sistema democrático. O Estado democrático de direito, a dignidade da pessoa humana, a presunção de inocência, o fim de regimes imperiais absolutistas foram grandes conquistas para TODOS e que hoje são jogadas como Direitos humanos para bandido ou semelhante, resumindo conquistas imensuráveis para a sociedade e para o mundo como formas de ajudar quem não obedecer o bons costumes sociais.
É errado pensar assim? Depende, uai. Se você acaba de ver um parente seu ser morto vai ter tempo pra pensar no fim do absolutismo, na isonomia, na dignidade da pessoa humana? É lógico que não, somos humanos, temos instintos antes das leis. O que parece mais correto é matar quem matou também, pois nada melhor que devolver o troco no valor exato.
Como podemos ver, o real problema não está ai. O problema é até onde essa justiça pode chegar. Vingança, quando você tem certeza de quem foi, sempre foi um costume adotado pela humanidade. Mas por que chamar algo pautado apenas no instinto humano de justiça? Onde a justiça entra na jogada? Essa tal justiça com as próprias mãos não precisa de provas cabais para ser executada, o que abre um precedente infinito de possibilidades de ocorrência de injustiças bem pior que a "verdadeira justiça" que tanto reclamam, ou seja, um sujo está falando do mal lavado. A justiça judiciária é burocrática porque precisa e deve garantir que o que se discute seja realmente real para pesar sua mão. Infelizmente, a justiça do povo, apesar da vingança, que de forma nenhuma é justiça, nem sempre espera defesa. Assim como um assassino não espera também.
O caso mencionado acima é um exemplo de justiça popular onde não há dúvidas de que a lei de talião foi aplicada, que uma forma ou de outra realmente ERA legal. Mas e quando a vingança se baseia em hipóteses como no caso de um menino negro com problemas mentais que foi morto por acharem que ele era estuprador? A mãe, uma empregada doméstica de um bairro pobre, pode sair por ai batendo em quem matou ele mesmo sabendo que não existiam provas contra o garoto? Diferente de quem matou ele ela tem certeza dos autores do crime, e agora? Percebe onde quero chegar? É um ciclo vicioso.
Mas, paremos um pouco para raciocinar. Na justiça do judiciário, injustiças acontecem mesmo com todos os princípios e defesas, na "Justiça" popular acontece a mesma coisa; Na justiça judiciária, segundo as más línguas, a maioria dos punidos são pobres, na "justiça" popular também; Na justiça judiciária uma prova mal colhida gera impunidade, Na "justiça" popular a mera desconfiança já é suficiente pra executar a punição; Na Justiça judiciária a punição demora bastante, na "justiça" popular a punição é rápida, imediata e eficaz pois sacia muito mais a sede de vingança matando o indivíduo do que prendendo por meia dúzia de anos, não é mesmo? Pra quê precisamos do Estado para tomar conta das relações e organizações da sociedade se nós somos capazes de resolver isso com as próprias mãos e o Estado sempre é tido como ineficaz? Pra que Estado democrático de direito se só serve pra bandido? Pra que dignidade da pessoa humana se só quem é errado é beneficiado?
Então não precisamos mais saber até onde a justiça popular é justa, uma vez que esse limite nunca existiu. É como dizem os mais velhos: Falar é fácil quando o nosso não está na reta. Quando eles disseram isso aposto que não faziam ideia da proporção que isso tomaria mais tarde. Já imaginou se a justiça judiciária pautasse-se apenas em vingança? Não, é melhor não.



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